L! na Jogada: ‘Clubes do Brasil têm de pensar globalmente e se transformar de maneira digital’, diz Amir Somoggi

Sócio da Sports Value diz que equipes tradicionais não vêm aproveitando potencial para ter lucro com sócios: 'Temos uma Ferrari em temos de engajamento, mas o processo é lento' 

Live Amir Somoggi
'O futebol brasileiro ficou refém de "quarta-feira tem jogo, domingo tem jogo..."', diz especialista (Lance!)

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A sensação de que os clubes brasileiros têm muito a expandir seu mercado passam por enxergar o programa de sócio-torcedor sob o aspecto da "digitalização". Convidado do "LANCE! na Jogada", o especialista em marketing e gestão esportiva Amir Somoggi apontou, em encontro com os repórteres Lucas Pessoa e Vinícius Faustini (veja o vídeo abaixo) que o futebol nacional ainda não consegue se adequar às adaptações impostas pela pandemia do novo coronavírus.

- Fica muito claro que temos uma potência, uma Ferrari que são os clubes brasileiros em termos de engajamento, mas nenhuma transformação digital. A pandemia acabou com a receita do ingresso, o sócio-torcedor está declinando. Muita coisa que era analógica terá de virar digital para sobreviver e os clubes ainda caminham lentamente neste processo - disse.


O sócio da Sports Value evidenciou que falta aos clubes uma visão global do mercado do futebol.

- No Brasil, temos 210 milhões de habitantes. Dentre eles, 165 milhões se declaram torcedores de futebol.  Já o mundo possui 3,7 bilhões de interessados em futebol, com 990 milhões de fanáticos. O futebol brasileiro tem fanáticos e clubes enormes, mas o estudo da Sports Value mostra que o engajamento é maior no aspecto local. O Flamengo é o gigante latino-americano, está em primeiro lugar no YouTube e entre os dez maiores do mundo em termos digitais. De julho a setembro, faturou mais que muitos clubes europeus nesta área. Contudo, clubes como Chelsea e PSG, que são pequenos em seus respectivos países,  são gigantes globalmente. Já o Flamengo fica naquela situação de torcida do Rio e "off-Rio" - e, em seguida, o especialista ressalta:

'Quando a gente olha o tamanho dos clubes brasileiros e o tamanho dos clubes europeus, fica claro que não é uma questão local, é uma questão global', diz Amir Somoggi


- É óbvio que o Flamengo é gigante, ninguém é maior do que o Flamengo. Mas e o resto do mundo que não sabe o que é torcer para o Flamengo, que poderia comprar camisas e que podia ser sócio-torcedor? Naturalmente, o clube tem de se preocupar com seu sócio de Manaus, Brasília, Belém, Maranhão, Piauí, Bahia. Mas e os Estados Unidos? E o Japão? E o Oriente Médio? E a Oceania?  Mercados emergentes que estão consumindo só futebol europeu porque desconhecem os clubes brasileiros. Quando a gente olha o tamanho dos clubes brasileiros e o tamanho dos clubes europeus, fica claro que não é uma questão local, é uma questão global - completou. 


Somoggi crê que a necessidade das partidas serem realizadas sem público escancarou os desafios dos clubes em relação aos modelos associativos.

- O futebol brasileiro ficou refém de "quarta-feira tem jogo, domingo tem jogo... Quando começou a pandemia, o que os clubes fizeram? Pediram a volta o futebol. E agora, o que querem? Volta o público nos estádios... Não há uma visão de entretenimento, de fazer um trabalho fora do ambiente de jogo. Estudos da La Liga, por exemplo mostram que a audiência varia em dia de jogos, o que seria normal. Sem jogos, o aplicativo que menos varia é o de jogos eletrônicos. Você pode ter um baita patrocínio que também usufrua no ambiente de games - disse.

'A rede social precisava ter um caráter muito mais comercial para atração de negócios para dentro do clube', afirmou especialista


Em seguida, o especialista expõe caminhos nos quais os clubes podem dar um salto financeiro digitalmente.

- Esses fantasy games, como o Cartola, podem ser feitos pelo clube. Os brasileiros são tão gigantes quanto os europeus. como o caso do Palmeiras, do Corinthians, do São Paulo... O Corinthians tem maior número de interações que o Borussia Dortmund, pois é gigante, enquanto o clube alemão é gigante em sua região.  Só que aqui no Brasil, esse dinheiro do flamenguista, do corintiano, do vascaíno fica para o Facebook, para o Twitter...  Não basta ter audiência nas redes sociais e se globalizarem para aumentar ainda mais o volume. Tem que controlar o seu negócio - e ressaltou:

- Seu negócio não é postar nas redes sociais. É usar as redes sociais como canal de atração de tráfego para seu aplicativo. O modelo dos clubes está sempre focado no jogo e fazer bonito nas redes sociais. Na verdade, a rede social precisava ter um caráter muito mais comercial para atração de negócios para dentro do clube, criando links de oportunidade de negócios do que simplesmente ficar vendo qual post teve curtida ou engajamento. Isso só mostra força. Mas o dinheiro não está no engajamento, está em como você usa esse engajamento - completou. 

De acordo com ele, a chance de reinvenção foi perdida logo no início da pandemia.

- O que aconteceu em março? Todo mundo se enclausurou, as audiências domiciliares explodiram. O e-commerce crescerá mais de 100%. Clubes que tiverem um serviço nesta área serão bem supridos. Porém, neste período no qual todo mundo estava empolgado, se você lança um projeto nos moldes da Netflix, do clube fazer parcerias estratégicas com detentoras de exibição de gols e de momentos históricos, os clubes iam dar um grande salto... Imagina o Corinthians ter acesso ao gol do Basílio em 1977 (do título paulista que tirou o Timão de um jejum sem títulos de 22 anos), ou o Flamengo ter um gol do Zico no Maracanã, só para citar alguns exemplos? Os times iam montar super aplicativos e se transformar em canal de vendas. Isso não foi feito. Os clubes não perceberam a dimensão que têm - afirmou.


O especialista avaliou o potencial que foi desperdiçado, segundo as análises da empresa Sports Value.

- O sócio-torcedor digital tem o objetivo de abranger o foco de 99%, pois atualmente apenas 0,45% é formada sócios-torcedores no Brasil. Enquanto só houver o foco só para quem é associado, viveremos nessa encruzilhada. Não houve modelo para atrair brutalmente quem vive a 10 km, 50km, 3 mil km. O Bahia tentou fazer isso, mas a dinâmica da rede social tem que ser trazida para dentro do clube. Os grandes clubes da Série A e um da Série B (o Cruzeiro) podem passar de um lucro de R$ 465 milhões anuais para R$ 2 bilhões com sócios digitais. O Flamengo não teria 120 mil sócios, teria  2 milhões de sócios-torcedores. Mas, é claro, desde que seja oferecido conteúdo de qualidade. O Flamengo que hoje manteve uma receita em alta pode elevar o lucro de R$ 62 milhões com sócio-torcedor comum para mais R$ 300 milhões com a inclusão do sócio digital - frisou.

Somoggi vê falhas nos programas atuais de sócios elaborados pelos clubes brasileiros. 

- Na prática, sou muito crítico a estes projetos. Se um clube tem 120 mil sócios-torcedores, por exemplo, e entre 15 mil e 20 mil torcedores de média, com 40% de ocupação, qual é o problema? O cara paga e não vai ao jogo! - declarou.

'O sócio-torcedor digital abrange o foco de 99%, pois atualmente apenas 0,45% é formada sócios-torcedores no Brasil', diz especialista

Em seguida, o especialista avaliou os contrastes entre os modelos associativos da Europa e do Brasil.

- No modelo europeu, é feito um tíquete no qual vendem a cadeira do estádio o ano todo. Um pedaço do estádio é para estes associados, que são prioritários. Depois, aparecem outros modelos. Se um deles não vai para um Barcelona e Osasuna, por exemplo, libera para outro torcedor. Já no Barcelona e Real Madrid ou um jogo da Liga dos Campeões, tem prioridade. Aqui, os estádios estão vazios, o torcedor paga R$ 20 ou R$ 30 por mês e se o time está bem, ele pode até ir. Mas se o time vai mal, ele não comparece ao jogo. Fez R$ 1 bilhão em 2019, mas com 47% de ocupação na Série A. Em suma, tem como crescer profundamente - e enumerou alguns fatores:

- O preço do ingresso é caro. Como você vai colocar pelo mesmo valor um jogo entre Palmeiras e, por exemplo, Mirassol, pela segunda rodada do Paulista e um duelo contra o Grêmio? Temos que criar a cultura de cada jogo ter um preço. Criar campanhas faz parte disso. Neste período de pandemia, quem não fez o seu "streaming" perdeu oportunidade de produção de conteúdo. O que falta é monetizar e não no bolso do torcedor - destacou.

Sobre o "LANCE! na Jogada"

O "LANCE! na Jogada" é uma série de lives no canal no Youtube, que traz convidados para analisar diversos assuntos atuais do futebol brasileiro. Os debates abordam temas como esporte, marketing, finanças e negócios.

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