Dia de todos os Santos #4: Houve vida após Pelé

Contrariando a máxima dos rivais à época, que diziam que o Peixe vivia exclusivamente do Rei, gerações de 78 e 83/84 foram oásis no deserto alvinegro

Serginho Chulapa
Serginho marcou o gol do título paulista do Santos, sobre o Corinthians, em 1984 (Foto: Divulgação/Santos)

Escrito por

O apagar das luzes do Estádio Urbano Caldeira no dia 2 de outubro de 1974 anunciava o fim da maior época de um clube na história do futebol em todos os tempos. A última partida de Pelé com a camisa do Santos, na vitória do Peixe por 2 a 0 sobre a Ponte Preta, pelo Campeonato Paulista, foi o último capítulo do esquadrão que encantou o Planeta durante uma década.

Do time santista cantado como música, mais nenhum atleta atuava pelo clube naquela noite de quarta-feira em que o Rei, ainda aos 21 minutos de jogo, pegou a bola nos braços, ajoelhou-se no meio do gramado da Vila Belmiro e saudou todo o seu reino em uma volta olímpica.

Além de Pelé, apenas Lima havia virado a década de 60 para 70 no Alvinegro Praiano, tendo, no entanto, deixado a equipe um ano antes do grand finale da “Era Pelé”, ao transferir-se para o Fluminense, em 1973. Era emblemático que fosse o Atleta do Século responsável por dar fim a um período batizado com o seu nome.

O novo começo

Em 1974, o Brasil entrava no décimo ano de Ditadura Militar. Em 15 de janeiro, o General Ernesto Geisel é acalmado pelo colégio eleitoral o quarto presidente indireto do país, assumindo o posto dois meses depois. Em seu discurso, ele prometia uma transição lenta, gradual e segura. Mal sabia o Santos o quanto essas palavras fariam sentido ao clube.

Sem Pelé, o Peixe perdia o maior material humano que qualquer clube pôde ter um dia. O torcedor santista, embora ainda não soubesse, necessitava de um alento para encarar os dias sombrios que estavam por vir.

– O Santos sem o Pelé perdeu, principalmente, uma fonte de receita muito importante, porque o Santos viajava três meses por ano ao mundo, ganhando em dólares e era o clube brasileiro que poderia pagar mais aos jogadores. Não é como as fortunas de hoje, proporcionalmente, mas eram os melhores salários, os melhores rendimentos da época – pontuou o jornalista e pesquisador Odir Cunha.

Era fundamental que o Santos não embarcasse no pós-Pelé com uma grande carência de ídolos logo de cara. A torcida alvinegra era acostumada a vencer e um largo período sem grandes equipes e conquistas poderia desencadear em algo inimaginável. Foi quando, então, a natureza divina apresentou ao clube o poder dos seus raios. Em 1978 surge a primeira geração de Meninos da Vila do Peixe. Uma gama de jogadores formados em casa que conquistaram o Estadual daquela temporada, sob o protagonismo do atacante Juary, artilheiro do torneio com 29 gols.

– O Pelé saiu do Santos em 1974, ainda bem que logo depois veio os meninos da Vila, Juary, Pita, João Paulo, Ailton Lira, essa equipe deu uma apaziguada nos ânimos, deu uma alegria enorme com a aquele título paulista. Esse time, sim, o Santos valoriza muito, tem muito carinho por essa equipe que ganhou o Paulista de 78 – disse o historiador Gabriel Santana, do Centro de Memórias do Santos FC.

Essa primeira geração dos Meninos da Vila deu uma amostra que a transição lenta, citada por Geisel no processo de redemocratização do Brasil, poderia referir-se muito bem ao compasso do tempo alvinegro a partir dali. A “Era Pelé” havia acabado, mas o clube deveria seguir a sua identidade e a revelação gradual dos atletas é o que daria a segurança necessária a história do clube.

Do time a ser batido ao time a combater

Acostumado em ser o time a ser batido, em 1983 o Santos foi a equipe a combater. Era o momento da torcida alvinegra experimentar o outro lado da moeda. Assim como a “Era Pelé”, uma equipe brasileira passara a ter um período histórico para chamar de seu naquele ano. Bem como o esquadrão liderado pelo Rei, o Flamengo tinha um time incrível que girava em torno do seu camisa dez, Zico.

Coube ao Peixe fazer frente a jogadores como Raul, Leandro, Mozar, Júnior, Adílio, além do Galinho, base de um Rubro-Negro campeão da Libertadores e Mundial dois anos antes. Não deu. Embora vencesse o confronto de ida, disputado no Morumbi, por 2 a 1, no primeiro minuto do jogo de volta, em um Maracanã abarrotado, com mais de 155 mil pessoas, Zico abriu o placar e o caminho para o triunfo por 3 a 0 dos cariocas.

No ano seguinte, com uma base semelhante, mas reforçada, principalmente com a chegada do goleiro uruguaio Rodolfo Rodrigues, o Peixe voltou, depois de seis anos, sagrar-se campeão estadual, ao vencer o seu arquirrival, Corinthians, na última rodada da competição, por 1 a 0, gol de Serginho Chulapa.

Em 1984, o Brasil vivia à porta da redemocratização. O movimento das “Diretas Já” ganhava força, embora a Emenda Dante de Oliveira, que previa as eleições diretas para presidente, fosse rejeitada na Câmara dos Deputados, em abril. Menos de um ano depois, em eleição indireta, um civil voltaria a ser conclamado presidente da República, Tancredo Neves, que acabou falecendo antes mesmo de assumir. Quatro anos depois, em 1989, o país voltou a decidir democraticamente, e de forma direta, o líder mór da nação.

Era um momento do brasileiro voltar a abrir a sua voz. Mas, mal sabia os santitas, que era a partir dali que ele passaria ter a garganta seca e a fome de conquistas. Foi lento, gradual e totalmente seguro em relação ao porvir.

* Sob supervisão de Vinícius Perazzini

News do Lance!

Receba boletins diários no seu e-mail para ficar por dentro do que rola no mundo dos esportes e no seu time do coração!

backgroundNewsletter