Medo de doping por contaminação faz atletas repensarem suplementos

Alegações do tipo são frequentes no país. Farmácias contestam versão e falam em controle rígido, mas escolha por uma alimentação natural no lugar das substâncias é cada vez maior<br>

Capa Especial Doping Thomaz Bellucci
&nbsp;Thomaz Bellucci culpou farmácia após ter sido flagrado com hidroclorotiazida em 2017 (Arte: Marina Cardoso/Lance!)

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Uma das justificativas mais comuns em casos de doping no Brasil, a contaminação cruzada em farmácias de manipulação gera um debate acalorado. De um lado, acusações de que atletas buscam “desculpas” para se livrarem de penas duras. Do outro, alegações de erros humanos nos laboratórios. Fato é que muitos atletas preferem hoje evitar qualquer tipo de problema, sem a ingestão de suplementos.

A orientação começa no Comitê Olímpico do Brasil (COB). Diretor de esportes da entidade, Jorge Bichara recomendou no início de setembro que os atletas não recorram ao artifício para alcançar os resultados esportivos desejados. Ele defendeu que medalhas olímpicas podem ser conquistadas com uma boa alimentação e capacitação física e técnica. 

"A questão da contaminação existe. Diversos casos foram comprovados. A posição do COB é divulgar a informação correta e contínua, propor e apresentar ferramentas de educação. Mas tudo passa pela também conscientização dos próprios esportistas"

– A questão da contaminação existe. Diversos casos foram comprovados. A posição do COB é divulgar a informação correta e contínua, propor e apresentar ferramentas de educação. Mas tudo passa também pela conscientização dos próprios esportistas – disse Bichara, deixando claro que, apesar do conselho, não se pode proibir atletas de usarem suplementos.

No ano passado, a Usada (Agência Antidoping dos Estados Unidos) tornou público o resultado de uma investigação que identificou duas farmácias de manipulação no Brasil como responsáveis por vender e produzir suplementos contaminados. As falhas teriam resultado em testes positivos de três lutadores do UFC.

– Tenho a percepção, com base nos relatos de atletas que atendo, que estão recorrendo menos às farmácias de manipulação. Alguns nem usam suplementos, pois preferem atingir os mesmos objetivos com alimentação natural – disse o advogado Marcelo Franklin, ao LANCE!.

A velocista Ana Cláudia Lemos, flagrada com o anabolizante oxandrolona e que cumpriu seis meses de gancho em 2016, e Maria Elisa, do vôlei de praia, têm até hoje processos contra farmácias de manipulação. A carioca foi absolvida naquele ano por uso de hidroclorotiazida. O mesmo diurético que levou o tenista Thomaz Bellucci a pegar cinco meses de suspensão em 2017. A pena pode chegar a quatro anos, se ficar claro que houve intenção.

Ana Cláudia lemos
Ana Cláudia Lemos ainda tem processo na Justiça em aberto contra farmácia por caso de doping em 2016 (Foto: Wagner Carmo/Inovafoto)

– Existem casos de contaminação voluntária, em que o atleta se propôs a fazer aquilo. Aí não cabe defesa, mas combate com inteligência e estratégia. E há situações de contaminação involuntária, que ocorrem em farmácias de manipulação. É importante frisar que em todos os segmentos da sociedade existem os bons e os maus profissionais, mas a percepção do COB é de que, no caso das farmácias, a maioria é correta – completou Bichara.

Farmácias rebatem atletas e fazem questionamento

A Associação Nacional dos Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag) disse ao L! que considera “intrigante” o fato de as alegações de contaminação por farmácias serem sempre por anabolizantes e diuréticos.

“Ressaltamos que a legislação brasileira que rege as farmácias de manipulação prevê obrigações e controles rígidos cujo cumprimento inviabiliza a ocorrência de contaminação cruzada. Ignorando isso, cerca de 30 atletas já usaram como álibi a alegação de suposta contaminação para escapar da punição por doping. Ainda mais intrigante é que a lista de substâncias proibidas no esporte é enorme, mas, de forma geral, a alegação dos advogados nesses casos foi de contaminação por apenas duas classes de substâncias: hormônios anabolizantes e diuréticos – justamente os fármacos cuja hipótese de contaminação seria ainda menos possível.  No caso dos diuréticos, devido à baixa frequência de manipulação e, no caso dos hormônios, porque essas substâncias são preparadas em cabines isoladas, estando sujeitas a controle especial, o que impede contato com outros fármacos no laboratório”, disse a Anfarmag.

COM A PALAVRA
Wander Rabelo
Assessor da Anfarmag

Controle do processo é rigoroso


"Existe uma legislação bastante exigente do ponto de vista dos requisitos técnicos para que a farmácia de manipulação possa entregar qualquer tipo de produto. Por lei, ela não pode dispensar absolutamente nada sem que seja feita prescrição por um profissional habilitado. Isso gera um controle de todo o processo que a farmácia realiza. A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estabelece critérios extremamente rígidos. Obviamente, temos situações específicas que podem ser de contaminação involuntária, por não observância da norma. Mas elas não são a maioria". 

COM A PALAVRA
Marcelo Franklin
Advogado, especialista em doping

Normas não garantem erro zero
"Acho que a Anfarmag deve me odiar, porque eu tenho alguns processos de atletas contra farmácias de manipulação. Eles cobram indenizações pelo fato de terem tido suplementos contaminados. EU as considero muito seguras para o consumidor comum. Mas, para o atleta, é diferente. Muitas vezes, ele é flagrado no antidoping com nanogramas (um bilionésimo do grama) em sua urina. Preparar seus suplementos em um lugar onde são feitos os de outros pacientes, com anabolizantes, diuréticos e estimulantes, mesmo com todos os procedimentos, gera um risco. Pode haver erro de limpeza do equipamento, problema no exaustor ou no trato do funcionário. Li as regras e são excelentes, Mas o fato de existirem não significa que os executores sempre as cumprem".

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