Beatriz Ferreira, aposta do boxe: ‘Eu me vi perdida, mas pensei grande’

Após superar punição de dois anos por ter lutado muay thai, baiana foca em medalha inédita no Pan e tenta se tornar a segunda brasileira a subir ao pódio em Olimpíada<br>

Beatriz Ferreira
Bia Ferreira viu sua carreira decolar em 2019 e espera confirmar boa fase no Pan de Lima (Foto: Divulgação)

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Filha de Raimundo Ferreira, o “Sergipe”, bicampeão brasileiro e tricampeão baiano de boxe, Beatriz Ferreira, de 26 anos, exibe um ar de simpatia, determinação e paciência. A baiana, criada na periferia de Salvador, é a maior esperança da modalidade para Tóquio-2020, na categoria até 60kg. Depois de muita espera e aprendizado, a atleta acredita que chegou a sua hora de brilhar mundo afora. Hoje, ela sonha em se tornar a segunda mulher brasileira do esporte a ir ao pódio olímpico, após Adriana Araújo, bronze em Londres-2012.

Em 2014, Bia recebeu suspensão de dois anos, após uma adversária entrar com recurso para excluí-la do Brasileiro, devido a uma regra então em vigor da Associação Internacional de Boxe Amador (Aiba), que vetava quem tivesse praticado outra arte marcial. A jovem fizera lutas de muay thai, em meio à fragilidade do boxe feminino no país.

Ao L!, Bia relembrou o caso, falou sobre o cenário do esporte e da expectativa para o Pan de Lima. O torneio de boxe começa no dia 28 deste mês. 

Você está prestes a estrear nos Jogos Pan-Americanos. Qual é o seu objetivo na competição?
Este Pan será muito especial. É o meu primeiro. Estamos nos preparando bem. Acabamos de fazer uma base de treinamentos na Colômbia, onde ficamos 22 dias. Irei com tudo. Não quero deixar o fato de ser a primeira vez me abalar. Quero conseguir uma medalha. Este ano é muito difícil, pois tem dois Mundiais, na Rússia e na China. No ano que vem, haverá o Pré-Olímpico. Tem sido intenso, mas estamos focados. Acho que vai dar certo.

Em fevereiro, você conquistou o ouro no Torneio de Strandja, na Bulgária, e o ouro no Grand Prix Usti Nade Labem, na República Tcheca. O que esses resultados representaram?
Voltei ao Torneio de Strandja um ano depois de levar a prata. Fui mais experiente, tranquila e preparada. Consegui fazer minha parte. Depois, na República Tcheca, saí com outro ouro no Grand Prix. Venho de vitórias e em um momento positivo em minha vida. Isso me deixou mais confiante. Pretendo arrastar tudo o que vier este ano e me preparar bem para os Jogos de Tóquio.

Você chegou a ser desclassificada de uma edição do Campeonato Brasileiro, porque havia lutado muay thai, e pegou dois anos de suspensão, em 2014. Como foi encarar esse episódio?
Um pouco antes dessa competição, saiu uma regra da Aiba que nos impedia de lutar se tivéssemos praticado outra arte marcial. Na época, eu lutava boxe por causa do meu pai e gostava, mas ainda não almejava os Jogos Olímpicos. A partir daquela dificuldade, passei a pensar grande.

Qual foi a maior dificuldade?
É difícil ser atleta de alto rendimento no Brasil, por falta de patrocínio e estrutura. Mas não deixei isso me abalar. Corri atrás e várias pessoas me ajudaram. Percebi que eu gostava dessa vida. Quem vê agora não acredita, mas o momento mais difícil foi a desclassificação do Brasileiro. Eu me vi perdida. Não sabia o que faria. Logo quando achava que tinha encontrado um caminho para minha vida, acontece isso. Mas pensei com calma que não deveria desistir. Minha família nunca teve dinheiro, mas me ajudou no que pôde. E eu trabalhei. Dei aulas de boxe, tomava conta de crianças e ia desenrolando. Hoje, felizmente, não preciso disso e me dedico 100% ao boxe. Disputei torneios menores e fiz tudo para poder voltar. Que bom que não desisti!

Como foi segurar a vontade de representar o país no período?
Para os Jogos Olímpicos de 2016, eu tinha consciência que a principal atleta do Brasil era a Adriana Araújo. Eu estava chegando. Era tudo muito novo. Eu precisava de mais experiência e tempo na casa para poder ter certeza de que seria aquilo mesmo. Participei do programa “Vivência Olímpica” do COB e aprendi muito. Em 2017, já fui com outra cabeça. Deu certo.

O Brasil tem um time jovem neste ciclo olímpico no boxe. Há uma renovação em curso?
O boxe cresceu e ganhou visibilidade. Na verdade, está recuperando, após um período em baixa. Nossa equipe permanente do Brasil tem atletas novos, diferentemente do que aconteceu no ciclo olímpico passado. Só que a galera não tem tanta experiência. O que sobra é força de vontade e talento. Espero que na Olimpíada tenhamos o resultado que não veio no ciclo passado no feminino. Todos estão preparados e mostram resultados. E são inspiração das crianças. Muitas meninas falam: “quero ser como você!”. E eu penso: “poxa, mas ainda não sou ninguém” (risos).

A Adriana foi para o boxe profissional. O seu foco é a Olimpíada. Mas como fica a cabeça para o próximo ciclo?
Eu penso na medalha olímpica e depois nas férias (risos). Quando voltar, terei de ver como estarei fisicamente. Não quero cortar oportunidade de ninguém. Se eu estiver bem, quero fazer outro ciclo olímpico. Consigo me sustentar, com patrocínios, como o da Petrobras, e a Seleção. Amo o boxe olímpico. Não sei se vou amar tanto o profissional. Mas, se não der para seguir, penso na possibilidade. No Brasil, ainda é difícil no feminino.

O COI afastou a Aiba da organização do boxe em Tóquio devido a denúncias de má gestão. Como os atletas acompanharam o imbróglio? Temeram perder os Jogos?
A princípio, ficamos apreensivos. Mas os dirigentes nos garantiram que tudo seria resolvido, com o COB. Tentamos não nos prejudicar na preparação, porque atrapalha. Ninguém quer ficar fora dos Jogos Olímpicos. Até que tivemos a notícia de que tudo se resolveu.

QUEM É ELA

Nome
Beatriz Iasmin Soares Ferreira
Nascimento
9/12/1992, em Salvador (BRA)
Categoria
Leve (60kg)
Conquistas
Ouro nos Jogos Sul-Americanos de Cochabamba-2018; ouro no Belgrado Winner-2017; ouro no Campeonato Continental, em Tegucigalpa (HON)-2017; ouro no Torneio Strandja-2019; prata no Torneio de Strandja-2018; ouro no Grand Prix Usti Nade Labem-2019.

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