Análise: os aspectos societários do clube-empresa

O futebol passou a ser uma indústria com enorme potencial econômico a ser explorado, sem esquecer que somos o maior exportador de jogadores de futebol do mundo

General Severiano
Conselheiros do Botafogo já foram convocados para votar o clube-empresa (Foto: Fernando Soutello/AGIF)

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Originariamente, as entidades desportivas (os chamados “clubes”) foram constituídas na forma de associações civis sem fins lucrativos, especialmente pois a razão principal de sua constituição era a prática da referida modalidade esportiva, sem pretensões financeiras de seus fundadores e associados.

Ao longo dos anos, a prática esportiva evoluiu. Os distintivos tornaram-se marcas valiosas; os campos de futebol, grandes arenas multiuso, com restaurantes, bares, lojas, espaços para shows etc.; os atletas profissionais tornaram-se grandes ativos e fontes de renda, com altíssimos salários e objeto de transações milionárias.

Não obstante todas as mudanças ocorridas e o nítido intuito lucrativo para os quais alguns clubes desenvolvem suas atividades, a grande maioria deles continua a adotar a forma de associações civis sem fins lucrativos, buscando os benefícios tributários existentes para esta forma associativa.

Sob a ótica da gestão executiva, apesar de existirem clubes constituídos sob a forma de associação que são muito bem administrados, infelizmente a prática mostra que não é o que mais se vê.

Não é incomum nos depararmos com gestões irresponsáveis dos recursos dos clubes, através de dirigentes que passam a buscar o resultado esportivo ou os interesses políticos, sem dar a devida atenção aos impactos que a má gestão pode causar no longo prazo, levando a um acúmulo de dívidas que são repassadas de gestão para gestão.

Historicamente a gestão dos clubes associativos demonstra que lhes falta capacidade para planejamento de médio e longo prazo, em razão das eleições periódicas e recorrente comprometimento dos recursos do clube pela gestão anterior.

Surge, então, a necessidade de profissionalização da gestão e da atividade desportiva, devendo os clubes ser organizados sob formatação jurídica compatível com seus objetivos atuais, sob pena de prejudicar sua capacidade de geração de receitas e obter no mercado o máximo de eficiência em suas operações e negócios, tornando-se veículos atrativos para investidores.

O futebol brasileiro envolve cifras exorbitantes, e atualmente não é absurdo afirmar que além de esporte, o futebol passou a ser uma Indústria com enorme potencial econômico a ser explorado, sem esquecer que somos o maior exportador de jogadores de futebol do mundo, ainda que sem investimento e gestão profissional.

Os chamados clubes associativos - sem finalidade lucrativa - não apresentam estrutura jurídica viável para captação de investimentos. Por outro lado, as sociedades empresariais possuem legislação própria e com sistema adequado de governança interna, além da responsabilização de administradores.

Todavia, o tema não pode ser tratado de forma simplista e genérica, devendo ser considerados diversos aspectos, tais como exigências estatutárias, interesses dos membros, grau de endividamento e natureza das dívidas, dentre outros.

Feitas estas considerações, destacamos os seguintes mecanismos:

Transformação da associação em sociedade empresária, ocasião em que há a transferência integral de todos os direitos, deveres, ativos e passivos da associação à sociedade.

Há a necessidade de realização de avaliação patrimonial do clube, levando em consideração todos os seus ativos e passivos, tais como, a marca, os bens, as vagas em campeonatos, os atletas, os contratos de quaisquer naturezas, inclusive de patrocínio, dentre outros.

Sob o aspecto formal, precisam ser observados os procedimentos previstos no estatuto social da associação, aprovação em assembleia geral e registro dos atos societários na Junta Comercial competente, sem o qual a operação não é finalizada.

Apesar de previsto de maneira expressa na Lei Pelé e, superficialmente, no Código Civil, na prática, há questões procedimentais que dificultam - ou impedem - a operacionalização desta transformação. Os órgãos de registro afirmam não ser possível realizar a transformação, visto que haveria a necessidade de promover a baixa de seus atos no Registro Civil de Pessoas Jurídicas e subsequente inscrição na Junta Comercial, constituindo-se, portanto, outra pessoa jurídica. Além disso, entendem pela impossibilidade de transformar uma associação em sociedade empresária, tendo em vista seus objetivos constitutivos distintos (função social x lucros). Trata-se de modelo de mais difícil implementação.

Criação de sociedade empresária limitada (LTDA) ou de sociedade anônima (S/A) para (i) a gestão completa do clube ou (ii) apenas para a gestão do futebol profissional do clube, mantendo a gestão do clube social com a associação. Nesta hipótese todos os direitos e deveres relacionados ao futebol profissional, inclusive quanto às filiações, ao uso do símbolo etc., são transferidos à empresa, com estruturas jurídica, financeira e operacional próprias. Aqui reside o receio da destinação das propriedades outrora detidas pelo clube, na hipótese eventual de dissolução da sociedade empresária.

Criação de uma sociedade de propósito específico (SPE), que pode ser Ltda. ou S/A, com prazo de duração pré-determinado, responsável pela utilização de todos os ativos do futebol profissional e pela arrecadação de todas as receitas provenientes de direitos de transmissão, patrocínios, bilheterias, sócios torcedores e transferência de atletas, bem dos contratos de direitos federativos e econômicos de todos os jogadores e ativos de futebol.

Adicionalmente, cria-se um fundo de investimentos em direitos creditórios para captação de recursos com o objetivo de eliminar o endividamento do clube, mediante mapeamento e regularizações em curto, médio e longo prazo.

Criação de um novo tipo jurídico, hipóteses por vezes aventada em discussões sobre o tema “clube empresa”, mas que não nos parece necessária, tendo em vista a existência de mecanismos suficientes para atingir o mesmo fim.

Resta aos dirigentes e associados, orientados por equipe multidisciplinar especializada, avaliarem a alternativa que melhor atenda às necessidades financeiras, políticas e jurídicas do clube.


*Marco Loureiro, especialista em Direito Societário e pós-graduado em Direito Empresarial, Civil e Processo Civil. É professor do MBA de Gestão e Marketing Esportivo da Trevisan Escola de Negócios.
Maiores informações em: www.ccla.com.br

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