Acordo com Maracanã abre portas para setor de marketing do Flamengo

Utilização do estádio até 2020 pode ampliar receitas e vínculo com torcida; Rubro-Negro quer retirar cadeiras dos setores Norte e Sul, panorama comum em estádios da Alemanha

Flamengo fechou vínculo para usar o Maracanã até fim de 2020
Gilvan de Souza / Flamengo

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Uma das principais reivindicações históricas da torcida do Flamengo é um estádio para chamar de seu. A casa própria rubro-negra ainda não saiu do papel, mas o clube carioca recentemente firmou novo vínculo com a concessionária Maracanã para utilização do estádio até dezembro de 2020.

O contrato com o consórcio, mais favorável à equipe da Gávea, permite até mesmo alterações visuais no Templo do Futebol. O LANCE! procurou a cúpula rubro-negra e a opinião de especialistas para entender como o novo vínculo pode trazer ganhos ao Flamengo, tanto na identificação com a torcida quanto na área de marketing esportivo.

Detalhes do acordo
A votação do Conselho Deliberativo acabou reduzindo o objetivo inicial do Rubro-Negro, que era ter um novo contrato de quatro anos e meio - tempo hábil para a eventual construção de um estádio próprio do Flamengo. Algumas colocações levantadas principalmente pela oposição acabaram por influenciar os rumos do pleito internamente, o que levou à aprovação do vínculo com a concessionária Maracanã até o fim de 2020.

A expectativa rubro-negra é de que haja uma nova licitação após a tomada de posse do futuro governo do Rio de Janeiro em 2019. A partir daí, o Flamengo seguiria nas tratativas para se habilitar como concessionário. Ter controle do Maracanã, aliás, é um sonho que deveria ser ‘senso comum’ aos clubes - ao menos na opinião do presidente Eduardo Bandeira de Mello.

- Isso deveria ser um sonho de qualquer contribuinte que não quer que o Maracanã se transforme num equipamento sucateado. E se o Flamengo constrói um estádio próprio? Vai virar um Coliseu - afirmou o mandatário à reportagem do LANCE!.

Treino aberto Flamengo
Torcida do Flamengo marcou presença em treino aberto no Maracanã no mês de abril (Foto: Gilvan de Souza/Flamengo)

A partir do ano que vem, o Flamengo irá realizar ao menos 25 jogos por temporada no Maracanã. Dentro dessa cota de partidas estão obrigatoriamente todos os clássicos, partidas de Libertadores (caso se classifique para competição continental) e retas decisivas de competições.

Além disso, receitas de bilheteria e do programa de sócio-torcedor irão integralmente para o clube carioca. O acordo também transfere obrigações operacionais ao Flamengo: o Rubro-Negro será responsável por todas as etapas de organização das partidas, desde a venda de ingressos até mesmo a contratação de serviços de limpeza.

15% da renda bruta dos jogos será destinada ao pagamento do aluguel do Maracanã, com valor mínimo de R$200 mil e máximo de R$700 mil por confronto. Em duelos de menor expressão, o valor mínimo pago pelo clube cai para R$120 mil, com R$80 mil sendo financiados pela empresa Esportecom (em troca de uso publicitário de algumas áreas do estádio, como camarotes).

A equipe da Gávea ainda terá direito à exploração comercial e ações de marketing no campo, na zona mista e no vestiário. A concessionária Maracanã poderá se beneficiar financeiramente apenas dos espaços do nível dos camarotes para cima - protegendo, assim, os direitos de transmissão do clube.

O Flamengo poderá usufruir de dez camarotes no setor Oeste e terá a receita integral do maior camarote do estádio (Bossa Nova, que fica no setor Leste), somado a mais 40% da receita de 48 camarotes do Maracanã.

Gramado do Maracanã é alvo de críticas dos cariocas
Um ponto que tem sido alvo de muitas críticas é justamente o gramado do Maracanã. O técnico Mauricio Barbieri já reclamou, o presidente Bandeira de Mello, Diego... E as observações não são apenas rubro-negras: Marcelo Oliveira e Zé Ricardo são dois dos treinadores rivais que também citaram o péssimo estado do tapete do Templo do Futebol recentemente.

A baixa qualidade do gramado é fruto de uma intensa maratona de jogos - em 36 dias, o estádio recebeu exatas 13 partidas. Em contato com o L!, a concessionária confirmou nesta segunda-feira que atendeu a pedido da Greenleaf (empresa responsável pelo cultivo da grama) e optou por interromper a utilização do Maracanã provisoriamente; o Templo será fechado entre os dias 13 de setembro e 9 de outubro para manutenção.

Ainda assim, a interdição não irá afetar o duelo entre Flamengo e Atlético-MG, marcado para o dia 23 de setembro. A partida pelo Campeonato Brasileiro segue marcada para acontecer no Maracanã, tendo em vista que o Rubro-Negro já iniciou a comercialização de ingressos.

Treino aberto Flamengo
Alterações no Maracanã podem promover retorno de torcidas 'raiz'? (Foto: ARMANDO PAIVA/RAW IMAGE)

Será possível fazer modificações no Maracanã antes da Copa América?
O Maracanã é a mais provável sede da Copa América no Rio de Janeiro. Contudo, apesar de parecer uma escolha óbvia, a assessoria do consórcio revelou que o negócio para utilização do estádio ainda não foi fechado. “A concessionária Maracanã segue em negociação com a Conmebol na expectativa de que o estádio sedie a competição” foi a única resposta às perguntas feitas pelo LANCE!.

A iminência do torneio da Conmebol levanta algumas questões para os cariocas: como ficariam as mudanças visuais desejadas pelo Flamengo? Seria possível que elas saíssem do papel antes de 2019?

Tudo indica que as alterações só irão acontecer, de fato, após a realização da competição continental. O regulamento prevê que a Copa América tenha suas partidas disputadas em arenas 100% tomadas por assentos - por isso, atender às demandas rubro-negras imediatamente geraria um custo adicional para remoção e recolocação das cadeiras no Maracanã. Entretanto, essa é uma decisão que cabe mais ao consórcio que ao Flamengo; vale lembrar que o clube não é concessionário do estádio, apenas fechou acordo para sua utilização.

No mais, pintar setores do Templo do Futebol com as cores do Flamengo é algo dispensável para o presidente Bandeira de Mello. Para o mandatário, o estádio já terá seu ‘mosaico’ vermelho e preto com a presença da torcida.

- O Maracanã já é vermelho e preto. Colocar escudo e pintar com as cores do clube fica bonito pra quando o estádio fica vazio. Quando nossa torcida lota, já existe um mar rubro-negro naturalmente. Acho que a identificação já é total. A partir do momento em que o Maracanã for do Flamengo (caso haja uma nova licitação), é possível fazer uma série de modificações, mas a identidade para com a torcida já existe e é histórica - enfatizou a autoridade do Rubro-Negro.

Flamengo x Vitória
Com novo acordo, Flamengo irá jogar ao menos 25 jogos por ano no Maracanã (Foto: Thiago Ribeiro/AGIF)

Sequência de jogos no Maracanã abre caminho para monetização do Flamengo
Tendo uma casa confirmada para mandar seus jogos, o Flamengo aumenta suas chances de criar laços com a praça esportiva. Na opinião de Thiago Petrocchi, fundador do site Ataque Marketing Esportivo, o Maracanã seria um aliado para ampliar as receitas do clube oriundas de publicidade e propaganda.

O especialista cita até mesmo o calendário do futebol brasileiro e o grande número de jogos em casa para explicar o potencial de monetização do vínculo entre o Rubro-Negro e o Templo do Futebol.

- O clube tem que aproveitar isso para capitalizar de outra forma o relacionamento (com a torcida). É muito fácil quando há um jogo e se consegue uma renda extraordinária, mas o ano tem 365 dias. Como o clube consegue tirar proveito disso? É difícil pelo Maracanã ser um estádio do estado, mas a parceria vai abrir portas para o Flamengo explorar outras áreas, aproveitando ainda mais a linha de monetização - analisou.

O que dizem os regulamentos sobre ausência de cadeiras nos estádios?
​No regulamento da Fifa consta que os três principais eventos da entidade (Copa do Mundo, Copa das Confederações e Eliminatórias para a Copa do Mundo) obrigatoriamente têm que ser disputados em all-seating stadiums. Este termo é usado para descrever praças esportivas que tenham cadeiras em todos os seus setores, ou então em que as seções onde torcedores ficam em pé sejam fechadas ao público.

Outros eventos podem usufruir de áreas sem assentos, mas há uma ressalva: é necessário obter aprovação por escrito tanto da Fifa quanto das autoridades locais. Uma inspeção ao estádio é outro requisito descrito no regulamento (art. 1B, seção 34).

Estruturas temporárias devem ser “evitadas ao máximo” e consideradas apenas na ausência de outras opções para acomodar os torcedores. A Fifa cobra um certificado de segurança que aprova o uso da arena, podendo esta ser inspecionada pelo órgão máximo do futebol.

Um exemplo de estrutura temporária foi visto justamente na Copa do Mundo de 2018, realizada na Rússia. O "puxadinho" do Estádio Central em Ecaterimburgo, que foi totalmente reformado para o Mundial, contava com cadeiras para fora da cobertura do estádio - tudo isso para atender às exigências de capacidade da Fifa. Vale lembrar, ainda, que assentos removíveis já tinham sido usados na Arena Corinthians para a Copa do Mundo de 2014.

Ecaterimburgo
Estádio Central, em Ecaterimburgo, chamou atenção por "puxadinho" na Copa do Mundo da Rússia (Foto: Divulgação/Fifa.com)

A Conmebol não cita especificamente setores de arquibancadas em suas regras, mas segue os mesmos preceitos estabelecidos no regulamento de estádios da Fifa. Ademais, torneios da instituição sul-americana não podem ter partidas realizadas em estádios com estruturas temporárias (art. 74 do Regulamento de Competições).

Mesmo assim, um caso excepcional e "de força maior" aconteceu com o próprio Flamengo em 2018. A partida contra o River Plate pela Libertadores estava marcada para o dia 28 de fevereiro, apenas três dias após a realização de um festival de música no Maracanã.

Dadas as condições do gramado e o pouco tempo para preparação do estádio, a Conmebol autorizou que o duelo acontecesse na Ilha do Urubu, que contava com arquibancadas provisórias. Entretanto, a queda de dois postes de luz no estádio inviabilizou o duelo - que acabou acontecendo no Nilton Santos.

Setores sem cadeiras são reivindicação antiga de torcidas no Brasil
No Brasil, alguns clubes podem dizer que têm um setor sem cadeiras em seus estádios, como Atlético-PR, Botafogo, Corinthians e Grêmio. O desejo de ter uma "geral", como é comumente chamada a área com arquibancadas de cimento batido, não se restringe apenas aos flamenguistas - uma rápida busca na internet mostra páginas de torcidas de clubes ao redor do Brasil pedindo a retirada de assentos dos estádios, possibilitando uma maior festa do público.

O Internacional também tem uma pequena área sem cadeiras no Beira-Rio, onde fica a Guarda Popular, principal torcida organizada do clube. Recentemente, o Colorado protocolou pedido para remoção total dos assentos no setor Sul, mas o projeto ainda não saiu do papel.

Com o novo contrato junto à concessionária Maracanã, os planos do Flamengo incluem acabar com as cadeiras tanto no setor Norte quanto no setor Sul, ampliando em até 22 mil espectadores (11 mil em cada área) a capacidade do estádio. O Templo do Futebol, portanto, voltaria a acomodar 100 mil pessoas; hoje, o Maracanã suporta 78 mil torcedores.

Alemanha traz exemplos de estádios com arquibancadas
Na hora de debater a questão de estádios sem cadeiras, a Alemanha é o melhor lugar para se ter de exemplo. O país europeu, que teve a maior média de público no Velho Mundo em 2017/2018, tem diversas arenas com setores em que os torcedores ficam em pé.

A mais famosa dessas arenas é a Signal Iduna Park, casa do Borussia Dortmund e da famosa "Muralha Amarela" - arquibancada que acomoda 25 mil pessoas e revolucionou a torcida auri-negra; além da geral, há outras 81 mil cadeiras. O estádio é, inclusive, uma das inspirações do Flamengo para pensar o novo vínculo com o Maracanã.

Mosaico da torcida do Borussia Dortmund - Borussia Dortmund x Malaga (Foto: Odd Andersen/AFP)
Festa da Muralha Amarela virou sinônimo de Borussia Dortmund e ampliou visibilidade do clube alemão (Foto: Odd Andersen/AFP)

A Allianz Arena, estádio do Bayern de Munique, também recebe cerca de 15 mil torcedores em pé: são 9,136 na arquibancada Sul e 6,794 na arquibancada Norte, sempre atrás dos gols. A Veltins-Arena (casa do Schalke 04) e o Borussia Park (casa do Borussia Monchengladbach) são outros exemplos de estádios com setores sem cadeiras, ambos com capacidade para cerca de 16 mil torcedores em pé.

Em competições da Uefa, os assentos são provisoriamente recolocados, já que o regulamento da entidade europeia não permite setores de arquibancadas em estádios acima da categoria 2 - há uma lista que ordena os estádios do Velho Mundo dos mais para os menos modestos. Para receber uma partida da Liga dos Campeões, por exemplo, a arena deverá estar na categoria 4.

Thiago Petrocchi crê que os ganhos com a festa da torcida se estendem para além das arquibancadas - e são essenciais para a obtenção de novos patrocinadores nos clubes. O próprio Dortmund tornou-se objeto de desejo de investidores, já que possui as maiores médias de público da Europa e os auri-negros fazem um dos maiores espetáculos do futebol.

- Em todos os jogos, há mais de 90% do espaço do estádio ocupado por torcedores. Isso cria um laço muito bom até para investidores, já que as chances de você ter ganhos são muito maiores. Tudo que o Borussia faz e os mosaicos da Muralha acabam sendo uma mídia espontânea para o clube, o que é muito importante na hora de buscar ativos. Certamente quando o comercial está negociando com algum parceiro, ele vai mencionar que tem um público fiel, uma torcida que consome os produtos - opinou o criador do Ataque Marketing Esportivo.

Retrospecto na Inglaterra vai na contramão de torcidas da Alemanha
Arquibancadas de cimento batido são quase regra na Alemanha, mas um outro país europeu se encontra no extremo oposto: a Inglaterra. Em 1990, o Relatório Taylor - elaborado após a infeliz tragédia de Hillsborough - recomendava oficialmente que cada torcedor tivesse uma cadeira nos estádios, a fim de evitar novos acidentes envolvendo superlotação.

O documento mudou a cultura futebolística na terra da Rainha e acabou de vez com as torcidas em pé. The Kop, antigo setor de Anfield que revolucionou a torcida do Liverpool por quase 90 anos (1906-94), foi demolido para a construção de uma área com cadeiras.

The Kop, em Anfield, casa do Liverpool
Setor The Kop, em Anfield, marcou época na torcida do Liverpool (Foto: Divulgação)

Hoje, a discussão é se já não passou da hora de revogar a 'proibição' a setores livres de assentos. Até meados de 2017, 25 clubes da Inglaterra e do País de Gales - incluindo Manchester City, Aston Villa e Swansea City - já tinham se posicionado publicamente em favor de estratégias de safe standing. A alcunha é usada para se referir a medidas que possibilitem que os torcedores fiquem em pé, mas que garantam os requisitos básicos de segurança.

Museus surgem no horizonte como alternativa de marketing dos clubes
Uma das tendências no mercado de marketing esportivo no futebol é o investimento em museus dos clubes. Afinal, há maneira melhor de manter vivas as conquistas do que disponibilizando um acervo para consulta da torcida?

O Flamengo atualmente tem o FlaMemória, que fica na sede social da Gávea, mas relembrar a história rubro-negra é um privilégio para poucos. Atualmente, o acesso ao museu é dificultado principalmente pela localização do clube, na Zona Sul do Rio de Janeiro - mas uma nova licitação do Maracanã, com o Rubro-Negro como concessionário, poderia levar a iniciativa ao famoso estádio.

- Se o Flamengo for concessionário do Maracanã, é óbvio que a melhor localização para um museu seria lá. Eu não digo que (o FlaMemória) seria expressivo em termos de receita, mas de qualquer forma é uma que ajuda as outras fontes de renda a se desenvolverem ainda mais. Ter um museu no Maracanã tende a aumentar o número de sócio-torcedores no programa e ganhar importância em todas as publicidades do clube, além, é claro, da própria receita do museu - concluiu Bandeira de Mello.

Sob a supervisão de Aigor Ojêda

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