‘Botafogo S/A e recuperação judicial podem existir juntos’, diz advogado e especialista em finanças

Ao LANCE!, Pedro Teixeira diz que transformação do Alvinegro em um clube-empresa indica que clube quer se profissionalizar. Já instrumento jurídico ajuda a equacionar dívidas

Botafogo - General Severiano
'A suspensão das ações e dos bloqueios pretende dar ao clube a capacidade de reagir', diz Pedro Teixeira sobre os procedimentos de recuperação judicial (Foto: Arquivo LANCE!)

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O Botafogo ainda luta para achar o melhor caminho de equacionar a sua grande dívida. Enquanto a diretoria alvinegra ainda não bate o martelo sobre o começo de uma S/A, o especialista em recuperação judicial Pedro Teixeira vê como outra alternativa o clube requerer recuperação judicial. Além de considerar esta medida uma forma de proteger os cofres do Glorioso de sofrer novos bloqueios ou até penhoras judiciais, Teixeira destaca.

-  A recuperação judicial protege o clube de ver seu planejamento contaminado pelas dívidas que acumulou no passado.  A transformação em um clube-empresa é válida, mas não adiantará se houver também um equacionamento do que teve anteriormente - afirmou, ao LANCE!.

Nesta entrevista, o especialista avalia o momento do Botafogo e detalha quais seriam os passos de uma recuperação judicial.

LANCE!: O que significa para um clube de futebol, seja ele uma associação ou um clube-empresa, entrar em recuperação judicial?

Pedro Teixeira: Costumo conceituar recuperação judicial como medida de proteção do patrimônio. É uma forma de proteger uma atividade, seja ela empresarial ou não. Temos, inclusive, associações civis que solicitaram recuperação judicial, pois, mesmo não sendo formalmente empresas, possuem gestões empresariais. Afinal, representam uma função social, geram empregos... Durante 180 dias ou até um período superior, a associação não terá riscos de ter seus bens bloqueados por ações judiciais. Além disto, tem a oportunidade de negociar as dívidas com seus credores. Seja para quitar parceladamente, ou fazer um acordo de só pagar 50% do que deve... E tudo isto garantindo a segurança do seu patrimônio, sem ter riscos de bloqueios, penhoras no seu faturamento ou em cotas de patrocínio, no caso de um clube. É uma atividade em crise que quer se preservar

L!: O Botafogo tem atualmente quatro cotas de televisão de Estadual bloqueadas. Caso entre em recuperação judicial, esta quantia volta para os cofres do clube? Além de outros valores penhorados anteriormente...

É desbloqueado automaticamente. Sempre defendi a recuperação judicial em clubes de futebol em virtude disto. O alto endividamento é causado muitas por dívidas do passado. Dívidas trabalhistas, com fornecedores, direitos de imagem cobradas por meio de processos que correm na Justiça... Com o pedido de recuperação judicial, toda a dívida anterior deverá ser paga de acordo com o plano de acordo de recuperação. Nada mais é que um contrato feito com os credores. Todo o valor será desbloqueado em favor do clube, enquanto isto, os credores não poderão executar individualmente os créditos deles.

L!: E o que acontece caso não haja uma negociação ao final deste processo de recuperação judicial?


Bom, o primeiro passo é de avaliação do pedido, que dura entre cinco e dez dias. Durante os 60 dias, os credores analisarão o plano para decidir se aceitam ou não. Não necessariamente, o plano apresentado não é o definitivo. Caso deem sinais de que não aceitarão aquela proposta, o clube pode apresentar aditivos até conseguirem a aprovação dos credores. A não aprovação do plano ou do cumprimento de metas impõe a falência da atividade.

L!: Caso dê certo o plano de recuperação, as únicas alternativas ficam entre voltar às atividades e ir à falência?

A suspensão das ações e dos bloqueios pretende dar ao clube a capacidade de reagir. Hoje, o que vem impedido as associações de irem adiante é a quantidade de dívidas e a incapacidade de negociarem individualmente os acordos com credores. O Botafogo tem um endividamento superior a R$ 1 bilhão. Por mais que esteja bem intencionado, nem todos os credores procuram diretamente o clube. Com isso, o dirigente está negociando e, de repente, outro credor promove o bloqueio. É uma desordem que torna o planejamento financeiro inviável.  Você oferece um salário a um jogador, mas não conta que um credor de anos antes promova uma ação e bloqueie os bens. Isso cria uma instabilidade. A recuperação judicial organiza uma fila para os credores. Nenhum deles poderá furar mais a fila. 

'É uma desordem (quanto às dívidas do clube) que torna o planejamento financeiro inviável', diz Pedro Teixeira


L!: O Botafogo tem um novo projeto para se tornar clube-empresa. Acredita que deveria seguir com o plano da S/A ou logo recorrer à recuperação judicial? 

As duas coisas não são excludentes. No futebol espanhol, houve uma lei que exigiu que os clubes se tornassem SADs (Sociedade Anônima Desportiva). O maior problema enfrentado na Espanha foi que o endividamento deles permaneceu.  Muitos clubes pediram recuperação judicial. Tornar-se S/A não leva à exclusão da dívida. A recuperação judicial e a Sociedade Anônima devem coexistir.  Ao virar S/A, o Botafogo mostraria que está se profissionalizando. Como projeta ser uma empresa, vai se programar para sanar essas dívidas. Uma delas pode ser a recuperação judicial, outra tendo um investidor que pague as dívidas. Não adianta virar empresa sem ter um instrumento jurídico. A S/A vai facilitar, profissionalizar a gestão do clube, tornar os números mais transparentes e, em paralelo, haverá a recuperação do patrimônio do clube durante a reorganização interna. Aí, sim, com dívida equacionada e sem risco de bloqueios, o Botafogo seguirá a sua rotina.


L!: Mas por que aqui no Brasil ainda são raros os casos de empresas que conseguem se reerguer após entrarem em recuperação judicial?

Acredito que o principal motivo seja o receio de entrada em recuperação judicial. Geralmente, se coloca como última opção a recuperação. Aí o clima com os credores e a própria atividade estão comprometidas. Caso um clube tome uma decisão tardia para tomar esta decisão, o risco pode ser maior. Inclusive, já pode ter sofrido impactos, como ida para uma divisão inferior, com cota de TV menor e patrocinadores diferentes...

'Como projeta ser uma empresa, vai se programar para sanar essas dívidas. Uma delas pode ser a recuperação judicial, outra tendo um investidor que pague as dívidas'


L!: Há uma sucessão de desafios independentemente do rumo que tomar...

Quando falam no investidor aportar dinheiro, não é tão simples assim. Quando você pensa em um amigo que já está bastante endividado, vai emprestar dinheiro para ele? Por isto, a recuperação judicial garante que não haverá risco de bloqueio do presente com o intuito de pagar dívidas do passado. Trata-se de um instrumento da lei para preservar a atividade. O Botafogo é um patrimônio do país. Daqui para frente, caso se confirme a S/A junto com a recuperação judicial, o investidor pode colocar seu dinheiro e ele será utilizado para formar elencos, disputar campeonatos...

L!: Qual é o grande desafio deste tipo de gestão?

Os mecanismos de recuperação judicial e de gestão administrativa têm riscos. A S/A não significa a solução dos problemas, pois nem todas as empresas são bem geridas. A boa gestão tem de ser fundamental. São necessárias pessoas especializadas para gerir o Alvinegro. O clube está em uma lama e precisa deste instrumentos jurídicos para se reestruturar financeiramente.

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