‘Sorte dá trabalho’: técnico explica ao L! a Tríplice Coroa do Verdão sub-20

Em entrevista exclusiva, Wesley Carvalho falou sobre os títulos paulista, brasileiro e da Copa do Brasil recentes do Palmeiras e também do espaço aos garotos no profissional

Wesley Carvalho
Wesley Carvalho chegou em 2017 e vem acumulando títulos pelo time sub-20 do Palmeiras (Fabio Menotti/Palmeiras)

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Nos últimos meses, o Palmeiras conquistou a Tríplice Coroa do sub-20: venceu o Campeonato Paulista, o Campeonato Brasileiro e, no último dia 16, a Copa do Brasil. Tudo sob o comando de Wesley Carvalho, que explica tantos títulos com um ditado: ter sorte dá muito trabalho.

O LANCE! foi à Academia de Futebol 2, em Guarulhos, o centro de treinamento das categorias de base, para conversar com o treinador sobre a ascensão de um clube que pouco ganhava nas divisões menores para se acostumar a ser campeão com os garotos. E um dos ingredientes, no discurso dele, é ter fome permanente. A ponto até de não ficar lembrando que foi com ele, interinamente, que o Palmeiras iniciou a atual sequência invicta no Brasileiro.

Durante 30 minutos de entrevista exclusiva, Wesley mostrou que repassa aos comandados o seu desafio pessoal de não se acomodar. Tanto que era o técnico interino do Vitória campeão baiano em 2017 dias antes de aceitar o convite do time sub-20 do Verdão. E é assim que ele trata todos os assuntos abordados, incluindo a busca pela primeira Copa São Paulo de Futebol Júnior da história do clube e a falta de espaço para os jovens no elenco principal.

Confira abaixo a entrevista exclusiva de Wesley Carvalho ao LANCE!:

Qual é o segredo para vencer Paulista, Brasileiro e Copa do Brasil em um ano?
Como diz o ditado: ter sorte dá muito trabalho. O princípio básico de todas as conquistas que tivemos aqui foi muito trabalho, dedicação e comprometimento de todos os setores envolvidos no futebol, não só a comissão técnica e quem está no campo, mas o clube todo envolvido dentro de um contexto.

O que aconteceu para o Palmeiras começar a ganhar tanto na base?
Desde a chegada do Alexandre Mattos (diretor de futebol) e do Cícero (Souza, gerente de futebol), e a vinda do João Paulo (Sampaio, coordenador da base), o clube se preparou para chegar a esse momento e ficar no automático. Chega um momento em que o motor está funcionando tão bem que não precisa trocar peça toda hora, é só escutar o motor e fazer os ajustes para funcionar bem e dar retorno, ter velocidade. Cheguei, possivelmente, na metade deste trabalho. É fácil falar que, depois que o Wesley Carvalho chegou, o Palmeiras começou a ganhar. Mas é mentira. O Palmeiras se preparou como um todo para isso, e vim fazendo parte desse processo. Tudo se encaixou e está vindo um retorno que se plantou lá atrás. A minha vinda foi uma dessas peças que comprou para colocar e o carro se encaixar. Não sou o salvador da pátria.

Para ter tantos títulos seguidos com a mesma geração, o que foi feito para evitar a acomodação?
É normal, não só nesta idade, mas com qualquer ser humano, dar uma acomodada após grandes conquistas. Neste momento, ou talvez depois do Brasileiro, o nosso maior desafio é tentar alimentar essa fome de querer ganhar mais. Para não se acomodar e ficar feliz por já ter chegado a ser campeão brasileiro. É um desafio muito grande, não só para mim, como treinador, mas para os atletas. E isso não se faz faltando cinco dias antes de começar a competição. É um processo diário, o tempo todo, porque é normal que eles deem uma relaxada. Tenho que chegar e falar: 'Então, tá bom?! Não vamos ganhar mais nada neste ano?!' O tempo inteiro tento criar estímulos para despertar o desejo neles para sustentar essa fome de gostar de vencer e ter alta competitividade, alta intensidade de jogo, de ficar bem melhor, com melhores condições técnicas.

É um trabalho individual, então?
O que me incomoda como treinador é um atleta chegar às minhas mãos, passar um ano e eu não conseguir mexer com ele como ser humano ou atleta, na parte técnica e tática. Ele não pode sair como entrou, tem de sair das minhas mãos, seja para outro clube ou para o profissional, com algo mais. É um dos meus maiores desafios, e repasso para os atletas continuarem tendo esse desejo e essa fome de ganhar. Não ganhar a qualquer custo, mas preparado com tudo, sem deixar cair. É muito difícil, principalmente pela idade, mas também vivo nessa contínua batalha comigo mesmo, porque sou treinador e tenho de dar exemplo, não posso me acomodar. Apesar de termos ganhado muitos títulos, não sou o responsável, apenas faço parte do processo, e essa já é uma boa forma de deixar a minha bolinha bem baixa.

Você está querendo dizer que não é com uma preleção mágica...
É comportamental. É desde quando você acorda, se cuida no extracampo, se comporta no dia a dia. Se você se empolgar, vai começar a ingerir bebida alcoólica, a perder noite, a namorar com todas as menininhas de São Paulo... Eles precisam ter ciência de que não é só isso. E não pode se empolgar e ficar focado só nisso. Você tem de ficar ligado direto nesse comportamento, porque eles dependem do corpo deles. Se não tiverem esse cuidado, dificilmente terão êxito na profissão. É um trabalho de formiguinha: o tempo inteiro falando, e todo dia. Quando sinto que alguém está acomodado, crio um desafio diferente para ele se automotivar de novo.

No segundo jogo contra o Cruzeiro, o Palmeiras vencia por 3 a 1, mas levou a virada por 4 a 3 e precisou ir para os pênaltis. Foi por acomodação em campo?
Pelo que estudamos o adversário e o que vimos do jogo, só tinha duas formas de o Cruzeiro fazer gol em nós: em bola parada ou em uma segunda bola. Tínhamos o controle total do jogo, a posse de bola e 3 a 1 no placar. Aí, eles começaram a fazer bola direta, cometemos um erro de marcação na área, na bola parada, depois outra falha em bola parada de novo, e o terceiro gol que foi mais trabalhado, criando aquele tipo de situação. Não foi acomodação, não. Foi mais mérito do adversário, de ter conseguido buscar da forma que buscou. A torcida começou a inflamar, vir junto com o time, e acabamos levando a virada. Mas conseguimos ser ágeis e rápidos para apagar tudo que tinha acontecido no jogo e restabelecer a autoestima para irmos bem confiantes aos pênaltis, fazendo o que treinamos três vezes por semana, que são os pênaltis.

O que você falou para a retomada do ânimo para os pênaltis?
'Apague, esqueça, já levou o gol, não temos como voltar mais no tempo e não adianta ficar aqui relembrando o que aconteceu no que já é passado. Vamos zerar e pensar no pênalti. Todos estão capazes de bater, tranquilos e confiantes para fazer o que treinamos?'. Eles responderam que estavam tranquilos e que iriam ganhar, porque sabiam o que iam fazer. Fui um por um entre os que escolhi para bater os cincos primeiros e os três seguintes. Todos falaram que estavam tranquilos, sabendo o que iam fazer. A partir deste momento, percebi no olhar e no comportamento, porque o corpo fala, a tranquilidade deles para ir para o pênalti. E aconteceu o que aconteceu: saímos vencedores.

Nos pênaltis, o Palmeiras também ganhou a Copa RS, no ano passado. É tudo com base em treinar três, quatro vezes por semana?
O único diferencial do treino é a questão do emocional. Não conseguimos reproduzir a situação do jogo, de cansaço, adrenalina lá em cima, responsabilidade. Mas conseguimos aprimorar a parte técnica. Pênalti não se treina só quando está na véspera do jogo. Não se estuda no dia antes da prova, mas no semestre, bimestre ou trimestre todo, senão não consegue transformar aquilo em conceito ou aprendizado. É igual estudar tabuada: aprende, responde e passa na prova, mas, daqui um mês, não lembra mais porque não fez aquele princípio virar conceito. Entendendo dessa forma, trabalhamos pênaltis três ou quatro vezes por semana e criando um motivacional: equipe que perde retira todo o material do campo. Tentando chegar próximo ao que é o jogo em termos de competitividade. É claro que não é igual. Não é só treinando que vamos ganhar, não tem uma ciência exata. Às vezes, você faz tudo certo, a bola sai um pouquinho e bate na trave, ou o goleiro sai antes, estica o pé e pega com o pé. Como falei: ter sorte dá muito trabalho.

O que falta para ganhar a Copa São Paulo de Futebol Júnior?
É um sonho nosso, do Palmeiras e de todo o torcedor. Também não tínhamos a Copa do Brasil e o Brasileiro sub-20. São feitos que o clube está conseguindo. E vamos tentar fazer de tudo para realizar este sonho de também ser campeão da Copa São Paulo. É algo que temos como objetivo e faremos de tudo para chegar lá.

O Palmeiras recebe críticas por contratar muitos jogadores na base. O que você pode falar sobre isso?
Do meu time, 70% estão desde o sub-15, sub-16, sub-17, há mais de três anos. Então, não contrata muito. Tem muito mais times que contratam. Se pegar o Cruzeiro que fez a final da Copa do Brasil conosco, 70% do time não é deles. Deve ter algum equívoco. Contratamos muito pouco. São poucos que trazemos para o sub-18 e sub-19 para cá.

Como é o seu relacionamento com o Felipão?
Falo muito com ele pessoalmente. É um relacionamento muito bom, de confiabilidade e respeito. Ele é uma pessoa muito carismática e um espelho para os treinadores. O que você pode falar de um vencedor como ele? Se eu pudesse, estaria com ele quatro vezes por semana porque, com certeza, ele tem muito a acrescentar no meu crescimento como treinador, ser humano e vencedor. Ele tem alguma coisa que é muito diferente para ser o que é. Não é possível um cara de 70 anos ter essa vontade e determinação de trabalhar. Poderia muito bem estar em casa, descansando. Deve estar com a vida financeira muito boa. O que o motiva? Por isso, gosto de conversar com ele. Gostaria que fosse bem mais, mas está dentro do aceitável. Sempre vamos para a Academia, e me sinto muito bem indo lá. O Palmeiras tem essa facilidade, tem uma integração muito grande, participo da programação do profissional, vamos lá treinar ou assistir aos treinos. Vira e mexe, estou lá. No treino ou em contato para trocar ideias.

Vocês conversam sobre ter o mesmo estilo de jogo?
Não. O Palmeiras tem um currículo desenvolvido pelo João Paulo, que é de ter jogadores de alta competitividade, intensidade, que pratique o futebol total, preparado para o profissional. Mas não de forma tática, e concordo. Não posso começar no sub-11 até o profissional com o mesmo modelo de jogo porque, quando chegar ao profissional, não será o mesmo modelo. Um treinador joga de um jeito e outro clube joga de outra, e o jogador não estará adaptado porque se adaptou a uma forma só. Jogador tem de enriquecer desde o infantil, dentro de um processo pedagógico, evoluindo as variáveis físicas, táticas e técnicas para chegar bem rico em todos os recursos ao profissional.

Um dos temas mais debatidos no Palmeiras é o espaço pequeno para a base. Como você trata isso com os jogadores?
Quando o jogador entra no profissional, é um dos momentos mais difíceis. A oportunidade nunca fala o dia que vai chegar. Aparece quando você menos espera. Um jogador profissional se machuca, outro é expulso, outro é convocado, e chamam. Se não estiver preparado, fará um mal trabalho e não sustentará outra oportunidade. Costumo dizer para eles o seguinte: trabalhem, trabalhem e estejam preparados porque, um dia, a oportunidade vai chegar e você precisará dar uma resposta para o treinador concluir que você é bom e precisa de outra oportunidade. Toda vez que tem um treino no profissional, ele tem de fazer o melhor, é como se fosse uma Copa do Mundo, para ele mesmo gerar outra oportunidade para ir de novo.

E os jogadores têm essa paciência?
Precisam ter. Não tem jeito. Todos passaram por esse processo. Todos que estão no profissional tiveram vida fácil? Veja a história de cada um para ter ideia de como é difícil chegar aonde estão. Não é fácil. Pergunte a Romário quantas vezes ele levantou para ir treinar no Vasco só com um lance e transporte de ida e volta. Pergunte a Zico, Roberto Dinamite e todos esses craques quanto passaram para chegar aonde chegaram. Ninguém teve vida fácil, não. Só consegue se estabelecer no mercado e jogar lá em cima quem passa por todas essas variáveis.

A venda do Luan Cândido ao Red Bull Leipzig, da Alemanha, pode chegar a 10 milhões de euros (aproximadamente R$ 43 milhões), e, com isso, foi destacado no Palmeiras que a base também forma para lucrar. Isso é tema na sua conversa com os jogadores, de ser vendido sem nem jogar no profissional?
Isso pode acontecer. Não é à toa que disputamos várias competições no exterior, e também no Brasil, com jogos passando em rede nacional. Tem empresário de tudo quanto é lado olhando. Como os times europeus estão buscando jogadores mais novos para começar a adaptar lá, em um treino, um jogo amistoso ou uma final, a todo momento aparece uma oportunidade. Eles precisam estar preparados para lidar, também, com isso, assim como a família, para esse tipo de mudança, que é muito grande na vida de um garoto, com salário aumentando, em outro campo de trabalho... Mas não tento focalizar e usar isso muito como fator motivacional, para não tirarem o foco. Tento alimentar o foco para desempenharem bem porque a oportunidade vai aparecer, seja para ir para o exterior, ser vendido ou jogar no profissional daqui. Com esses jogadores mais novos, se eu alimentar isso de ser vendido para a Europa para ganhar dinheiro, daqui a pouco esquecem de jogar bola e ficam só pensando nisso. Fica muito no sonho. Precisa ter muito cuidado.

Você mantém contato com jogadores que já não estão mais aqui?
Sim. As redes sociais nos permitem ter esse contato, mesmo estando distante. Como é com o Anderson (goleiro), que está no Santa Cruz, o Fernando (atacante), que está no Shakhtar Donetsk, da Ucrânia, o Yan (atacante), que está no Estoril, em Portugal, o Matheus Rocha (lateral-direito, no Vitória). O Pedrão (zagueiro, emprestado ao América-MG) foi assistir à final da Copa do Brasil no Independência, torcendo por nós, e foi me dar um abraço. O Papagaio foi ao treinamento, na Cidade do Galo, na véspera do jogo, abraçar os meninos e dar apoio, e também foi ao jogo.

Quais são os grandes destaques do sub-20?
O coletivo. Um se destacar ou não acontece naturalmente. Falo para eles: não adianta pensar individualmente, porque individualmente se ganha jogos, coletivamente se ganha campeonatos. Sem sombra de dúvida, você só aparece se chegar à final. A primeira fase não é nem televisionada. Para chegar à final, tem de trabalhar coletivamente. Chegando à final, se destaca naturalmente. O que não pode é ter três na sua frente e não dar a bola para o companheiro porque quer aparecer, e perde o gol por vaidade. Não vai para a final e ninguém aparece, quando poderiam aparecer todos. Um exemplo é um gol que fizemos contra o Vitória, na final do Brasileiro sub-20: Yan levou a bola, estava de cara para o gol, ameaçou e tocou para o Papagaio fazer. Reforçamos muito isso, mostrando como exemplo positivo. Yan poderia ter chutado e feito o gol ou perdido, mas deu para o lado, pensou no coletivo.

O Yan subiu ao profissional na pré-temporada e o Palmeiras falou que ele precisaria de um trabalho físico particular, como o que foi feito com o Hyoran quando ele chegou da Chapecoense. Os jogadores saem do sub-20 com esse déficit físico na comparação com o profissional?
O trabalho do departamento médico e de fisiologia daqui é muito parecido e integrado com o profissional. Isso é mais por questões individuais e pontuais. É mais por déficit do próprio jogador do que do contexto do sub-20. Não dá para falar isso de Gabriel Menino e Gabriel Furtado, fortes por natureza. Não é uma questão coletiva, é individual e pontual. É um jogador que já tem esse déficit, que não tem essa força e precisa trabalhar.

E você saiu do Vitória, logo após comandar o time interinamente na conquista do Campeonato Baiano de 2017, para assumir o sub-20 do Palmeiras.
Pelo lado teórico, dei três, quatro passos para trás para, futuramente, dar mais e maiores passos para frente. Vir para o centro é diferente. Estar no sub-20 do Palmeiras é muito diferente de estar no sub-20 de Bahia, Vitória, de um polo que aparece bem menos na mídia. Na época, todos me chamaram de louco por sair do profissional para ir à base. Mas, se tenho como teoria aprimorar meus conhecimentos, aprendo pouco como auxiliar, não vou crescer. Preciso ir para a linha de frente tomar decisões, fazer escolhas, ter stress de jogo e pós-jogo. Seria muito simples ficar na zona de conforto como auxiliar, sem dar entrevista depois de jogo, escalar time ou fazer substituições, mas não evoluir como treinador. A única forma de vivenciar isso é como treinador efetivo do time.

Essa invencibilidade recorde do Palmeiras em Brasileiro, sem perder há 29 jogos, começou com você, que comandou o time interinamente na vitória por 3 a 0 sobre o Paraná, em 29 de julho, enquanto o Felipão não assumia a equipe...
É verdade. Pô, que bom fazer parte desta história, de algo vencedor. Fico muito feliz por ter participado disso e colaborado. É muito legal. Mas o Palmeiras é muito grande, só estamos aqui de passagem. Sinceramente, nem penso nisso. Faço um policiamento constante comigo para não ficar muito ligado nessas coisas. Sou ser humano, trabalho o tempo inteiro contra a minha vaidade. Isso é legal, é massa, mas tenho de alimentar a minha fome. Se eu ficar pensando no passado, vou esquecer e me acomodar. E não quero me acomodar, quero mais. É um aprendizado. Vou fazer 45 anos, com muita conquista na base, mas, se eu achar que não preciso estudar, será um grande engano. Alimento meu aprendizado e, por isso, gosto de conversar com Felipão, Tite, meus adversários, sempre trocando ideias, para me engradecer e alimentar meu aprendizado, porque cada indivíduo tem algo a passar. E começo a evoluir. Se eu ficar relembrando que ganhei... É passado, já foi. Meus jogadores estão proibidos de falar de Copa do Brasil. Acabou. Comemoramos três dias, agora é o Paulista. Sou espelho deles. Se eu ficar o tempo inteiro falando que somos campeões, vamos nos acomodar. Não posso. Preciso deixá-los em alerta.

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