Acolhida por casal famoso, ex-guarda usa o atletismo para vencer esclerose

Líder do ranking mundial de arremesso de peso classe T55, Beth Gomes teve ajuda de autores de marchinhas cantadas por Sílvio Santos para conter doença e brilhar no esporte

Beth Gomes terminou em quinto no arremesso de peso no Mundial de Londres 
(Marcio Rodrigues/MPIX/CPB)

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O conceito de família é amplo para Beth Santos, uma das 25 componentes da delegação brasileira no Mundial de Atletismo Paralímpico, que acontece em Londres (ING). A atleta de 52 anos, que nesta sexta-feira tenta uma medalha no lançamento de disco classe F55, às 15h14 (de Brasília), contou com ajudas especiais para brilhar nos esportes.

Diagnosticada em 1993 com esclerose múltipla, doença incurável que afeta o sistema nervoso central, ela foi acolhida por Ruth Amaral e Manoel Ferreira, casal de artistas famoso pela composição de marchinhas de duplo sentido que fizeram sucesso nos carnavais do Brasil a partir de 1960 na voz de Sílvio Santos, como “Pipa do vovô” e “A bruxa vem aí”.

A “família” não é de sangue, mas já era próxima e a acolheu na ausência dos pais biológicos, falecidos. Manoel morreu no ano passado, após anos de dedicação à atleta. A filha dele, Rosana, por coincidência, é neurologista, e ajudou no tratamento da “irmã” no momento mais delicado.

– Eles me deram muito amor. Digo que Rosana é mais que irmã. Papai faleceu há um ano, mas eles animaram muitos carnavais. É uma família maravilhosa – diz Beth, ao LANCE!.

Ela descobriu a doença após sofrer uma queda ao tentar pular uma poça durante uma ronda, quando trabalhava como guarda municipal em Santos (SP). Nunca mais andou. Aos 27 anos, precisou deixar o vôlei, esporte pelo qual foi tricampeã regional, e passou três anos em depressão. Disse não ao movimento paralímpico no início, mas voltou atrás.

Em 1996, a atual líder do ranking mundial de arremesso de peso na F55 foi para o basquete em cadeira de rodas, mas testava a força nas pistas de atletismo. Os resultados apareceram e a fizeram trocar a modalidade, algo comum no mundo paralímpico.

Quando já tomava gosto pelos esportes adaptados, um novo surto da doença veio em 2003 e a deixou tetraplégica, além de afetar sua visão. Mas, com o rápido tratamento, a pulsoterapia, com dosagens altas de corticoide administradas por Rosane, voltou a enxergar. Os movimentos dos braços retornaram. Em meses, já estava recuperada.

Hoje, o atletismo é um dos fatores que ajudam a conter os efeitos da doença. E Beth leva uma vida de treinos como qualquer esportista.

– O esporte trouxe de volta minha vida, minha vontade de viver.

No dia 14 deste mês, Beth ficou em quinto lugar no arremesso de peso F55 no Mundial de Londres, com 6,83m.

Ida ao Mundial é alívio após ausência no Rio

A temporada é de alegria para Beth Santos após uma decepção. No ano passado, ela ficou fora dos Jogos Paralímpicos Rio-2016, porque foi reclassificada (os atletas paralímpicos são submetidos a mudanças de classe de acordo com a evolução da deficiência) da classe F54 para a F55 (funcionalidade maior, ou seja, menor deficiência). Como não houve prova de arremesso de peso na categoria nova, nem mesmo o índice obtido pela santista adiantou.

– O Brasil aproveitou, sim, o legado da Rio-2016. Esse Mundial já foi bem justo. As regras mudaram após os Jogos e, com o índice, já garantimos a vaga – disse a atleta, que viajou ao Rio para ver os amigos.

Em 2008, Beth foi à Paralimpíada de Pequim (CHN), mas sem conseguir pódio.

BATE-BOLA
Beth Gomes Atleta do arremesso de peso, ao LANCE!

‘Vida não acabou com a doença’

Você tentou carreira no vôlei...
Cheguei a ser tricampeã por Santos até 1993. Eu pude viver uma fase da minha vida muito boa. Infelizmente, ou felizmente, minha expectativa acabou em agosto de 1993, quando fui acometida pela esclerose múltipla, que me deixou paraplégica. Mas a vida para mim não acabou por isso.

Qual foi a importância de sua “irmã” no seu tratamento?
A importância da minha irmã foi muito grande. No momento mais crítico que passei, paraplégica, tetraplégica e sem visão, pois tive um surto, ela estava perto. Tive um acompanhamento muito bom. Até hoje ela me trata. É um anjo em minha vida. Não é de sangue, mas fui adotada pela família.

Foi fácil ou difícil a adaptação às modalidades paralímpicas?
Não achei tão difícil a minha dupla escolha do basquete para o atletismo. Quando o esporte corre na veia, você se adapta. Eu me encontrei. Nasci para competir. Foi fácil, aos poucos. Consegui meu espaço e hoje alavanco o esporte, minha cidade e o Brasil.

QUEM É ELA

Nome
Elizabeth Rodrigues Gomes
Nascimento
15/1/1965, em Santos (SP)
Classe
F55 (provas de campo para cadeirantes com sequelas de poliomielite, lesões medulares ou amputações).
Conquistas principais
Medalhista de bronze no arremesso de peso no Campeonato Mundial de Doha-2015; ouro no lançamento de disco e prata no arremesso de peso nos Jogos Parapan-Americanos de Toronto-2015.

BRASIL NO MUNDIAL

Medalhas
O Brasil soma 15 pódios no Mundial de Londres até o momento: seis ouros, cinco pratas e quatro bronzes. O país ocupa a sexta colocação no quadro de medalhas.
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Delegação menor
Na última edição do Mundial, em 2015, em Doha (QAT), o Brasil ficou com a sétima colocação. Foram 35 medalhas: oito de ouro, 14 de prata e 13 de bronze. Na ocasião, a delegação verde e amarela tinha 39 atletas. Agora, são apenas 25, dos quais 17 estiveram na Rio-2016 e 12 conseguiram lugar no pódio no megaevento.
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O campeonato
Cerca de 1.300 atletas de 100 países disputam 213 medalhas, todas no Estádio Olímpico de Londres, até domingo.

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