Pressão do VAR pode levar árbitros ao erro e ‘estragar’ festa de torcidas

Gols anulados após consulta refletem em estado psicológico de árbitros, jogadores e torcida; estádios de Corinthians e Palmeiras se calaram após revisão de lances no VAR

VAR na Libertadores 2018 (Cruzeiro x Boca)
Uso do VAR está se tornando frequente, mas tecnologia tem consequências psicológicas (Foto: FIFA/Reprodução)

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Visualize a cena: um jogador do seu time balança as redes e leva a torcida nas arquibancadas à loucura. Minutos depois, o juiz é chamado à cabine do VAR, revisa as imagens e anula o lance. O estádio se decepciona - e a agitação do gol dá lugar a um silêncio sepulcral. Tanto Corinthians quanto Palmeiras passaram por essa situação recentemente, na final da Copa do Brasil e na semifinal da Libertadores, respectivamente.

A rápida mudança de panorama na Arena Corinthians e no Allianz Parque levou a uma questão: qual o peso de um gol anulado pelo VAR para o psicológico de atletas, árbitros e torcida? O LANCE! buscou especialistas para entender o fenômeno, causado pela ainda nova tecnologia no futebol.

VAR ainda é novidade no futebol brasileiro
O uso da tecnologia do árbitro de vídeo vem ganhando forças ao redor do mundo, mas ainda é recente no Brasil. A primeira vez em que o sistema foi usado foi no duelo entre Bahia e Palmeiras, nas quartas de final da Copa do Brasil de 2018.

Na ocasião, o juiz Anderson Daronco marcou pênalti de Gregore em Artur e expulsou o volante tricolor. Leandro Pedro Vuaden, que comandou o VAR, chamou o árbitro para análise de imagens. Daronco assistiu aos vídeos e manteve o pênalti, mas mudou o vermelho de Gregore para amarelo.

Daronco VAR - Palmeiras x Bahia
Daronco usou VAR na Copa do Brasil (Foto: Divulgação/Palmeiras)

Torcidas 'murcham' com gols anulados pelo VAR
​Nos casos citados pela reportagem, com Corinthians e Palmeiras, as torcidas sentiram o impacto do gol anulado pelo VAR e se calaram. Como explica Adriana Lacerda, presidente da Associação de Psicólogos do Esporte do Rio de Janeiro, a reação está dentro dos padrões e dificilmente pode ser evitada. Afinal, é uma enorme quebra de expectativas para os presentes nos estádios.

- Isso é uma reação natural, na medida que as emoções são positivas e negativas. E o gol é o principal objetivo de um jogo de futebol. A torcida reflete um pouco essa leitura do objetivo final da partida ser realmente ver a bola entrar. Não acredito que exista algum 'exercício' para que isso seja evitado, é uma coisa natural diante de uma decepção. Enquanto o gol não é anulado, é uma emoção muito positiva, de alegria e satisfação. Quando o gol é anulado, é como se anulasse também esse sentimento positivo. É completamente compreensível - disse a especialista ao L!.

Como a pressão atua no corpo humano, fisiologicamente falando?
Tanto no esporte quanto em contextos gerais, o corpo humano reage fisiologicamente a situações de pressão. Em pessoas 'comuns', é normal haver um desequilíbrio interno do organismo (homeostase afetada), maiores níveis de hipertensão, problemas de pele e até mesmo infecções. 

Já no caso de atletas e profissionais do esporte, é preciso destacar ainda a íntima relação entre momentos de estresse e lesões. Jogadores podem ter respostas como uma ansiedade de estado (situacional) aumentada, níveis de atenção comprometidos, diminuição do foco atencional, aumento dos batimentos cardíacos e da sudorese. No geral, o esportista fica mais disperso.

Boca Juniors x Palmeiras
Com auxílio do VAR, árbitro voltou atrás no gol de Bruno Henrique diante do Boca Juniors (Foto: AFP)

- As pesquisas mostram que o atleta tem três fatores em conjunção em situações potencialmente estressantes: fatores de personalidade (que são mais suscetíveis), vivências de situação estressante anterior e os recursos de enfrentamento, que chamamos de coping. Dependendo (desses fatores), ele tem maior probabilidade de apresentar as respostas ao estresse. Ele tem uma redução do campo visual, na medida que está menos atento e com nível de tensão muscular mais alto, então isso pode facilitar, sim, a contração de uma lesão. Quanto maior o estresse, maior a chance de lesão - explicou Adriana.

Por ser um esporte dinâmico e com maior exigência na precisão dos movimentos, a reação do corpo ao estresse no futebol também tem suas particularidades. 

- No futebol, em que há uma exigência técnica de movimentos muito finos e precisos, eles podem ficar comprometidos também por um fator que é a tensão muscular. Se aquele chute, passe, em que ele tem um baixo índice de erro nos treinos, for interpretado como situação geradora de estresse numa final, jogo importante, esse movimento pode ficar comprometido e o jogador terá uma queda de performance. Com certeza, pode levar as pessoas a tomarem decisões precipitadas. Tanto atletas quanto árbitros podem sofrer essas consequências - completou a psicóloga.

Árbitros dificilmente mantêm decisão original após consulta ao VAR
É difícil recordar lances em que a consulta ao VAR não alterou a decisão original do juiz - na maioria absoluta dos casos, o árbitro corrige seu posicionamento após analisar as imagens. Na Copa do Mundo de 2018, no duelo entre Egito e Arábia Saudita, o árbitro Wilmar Roldán assinalou penalidade máxima de Ali Gabr em Fahad.

A marcação pareceu descabida (houve pouquíssimo contato entre os jogadores para justificar um pênalti) e o juiz foi chamado pela equipe à cabine de vídeo. Roldán analisou o lance, mas não voltou atrás, mantendo o pênalti para os sauditas.

Arábia Saudita x Egito
Arábia Saudita abriu placar sobre o Egito com pênalti confirmado após consulta ao VAR (Foto: PHILIPPE DESMAZES / AFP)

Roldán foi o mesmo árbitro que anulou o gol de Bruno Henrique, por impedimento de Deyverson, no duelo entre Palmeiras e Boca Juniors na Libertadores. A reportagem do LANCE! entrou em contato com o colombiano, mas descobriu que os árbitros da Conmebol não estão autorizados a falar sobre o assunto VAR. No duelo entre Corinthians e Cruzeiro, na final da Copa do Brasil, foi Wagner do Nascimento Magalhães quem analisou as imagens e voltou atrás no gol de Pedrinho.

Pressão pode levar árbitros a cometerem erros?
A psicologia retoma o papel de protagonista quando abordamos a tomada de decisão dos árbitros. No momento em que eles se posicionam na cabine do VAR, a pressão externa - vinda das arquibancadas e dos próprios jogadores - pode levar os juízes a tomar decisões precipitadas, mas tudo depende de uma série de fatores de personalidade.

Um estudo apresentado na Revista de Educação Física no IX Congresso Internacional e XVI Congresso Brasileiro de Psicologia do Esporte, inclusive, dá uma dimensão da importância que os árbitros atribuem à preparação psicológica. O artigo mostra que 71,5% dos juízes acreditam que o profissional auxiliaria no controle das emoções, e 27,5% acreditam que ajudaria a lidar com críticas sofridas dentro e fora dos gramados.

​- O VAR é uma ferramenta, não isenta ou diminui a importância do árbitro dentro de campo. O fato de ele ceder ou mudar de opinião frente à pressão do estádio, jogadores ou seja lá quem for pode acontecer, mas deve ser analisado individualmente. Se ele estiver em um momento de decisão em que se sinta influenciado pelo meio externo, a capacidade de decisão dele pode ficar prejudicada. Com isso, o veredito final ficaria comprometido, mas isso vai muito de indivíduo para indivíduo. Tudo ocorre de forma dinâmica e complexa. Se o árbitro for vulnerável a esse tipo de interferência, as chances da capacidade de tomada de decisão (e esta ser equivocada) é muito maior - concluiu Adriana Lacerda.

Corinthians x Cruzeiro - Pedrinho
Pedrinho teve golaço anulado na final da Copa do Brasil (Foto: Marco Galvão/Fotoarena)

Organizadas reagem ao silêncio das torcidas no estádio
Se Itaquera e Allianz Parque viram os torcedores de Corinthians e Palmeiras sentirem a decepção aos gols anulados, o panorama é o oposto dentro das torcidas organizadas. Presidente da Gaviões da Fiel, principal organizada do Timão, Rodrigo Gonzales Tapia vai na contramão do proposto pela psicologia: para ele, um gol anulado serve como incentivo extra para empurrar a equipe.

- Eu já penso diferente. Nós, que somos de torcida e vivemos a arquibancada na sua essência, quando acontece uma situação de gol anulado ou até mesmo do gol contra, serve de motivação pra gente cantar ainda mais alto. Pois na minha cabeça, a torcida cantando, apoiando, o time vai representar dentro de campo. Já sobre as músicas, vai do momento do jogo. As vezes seguimos com a mesma música só que ainda mais forte - disse Digão, como é conhecido o mandatário da Fiel.

A tecnologia, todavia, é um ponto negativo para o presidente. Na opinião de Digão, o uso do VAR é apenas mais um expoente do quanto o futebol está ficando 'chato' e o primeiro passo para termos 'robôs na arbitragem'. 

- Sou contra (o uso do VAR), pois o futebol está cada vez mais chato. Começando pelas arquibancadas, proibindo as torcidas de fazerem festa. Agora dentro de campo, querendo sistematizar tudo, daqui a pouco teremos robôs na arbitragem. Sem falar na perda das discussões de boteco, as zoações com amigos que torcem contra - finalizou Digão.

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