Falamos com Angioni: ‘O futebol tem que ser uma grande mesa de debates’

Em entrevista ao LANCE!, gerente de futebol destaca a importância de se discutir o esporte no Brasil e aponta ideias para os clubes aproveitarem melhor suas categorias de base

Paulo Angioni
Angioni destacou a necessidade de debates no futebol brasileiro para o seu desenvolvimento (Foto: Divulgação)

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No futebol desde 1979, Paulo Angioni foi um dos precursores do cargo de diretor executivo de futebol no Brasil e tem muitas experiências para dividir. Em entrevista ao LANCE!, ele destacou a necessidade de debate no futebol brasileiro para o seu desenvolvimento. É o que faz o Footlink, simpósio que discute o esporte bretão e até olímpicos, no qual foi um dos idealizadores em 2011. Angioni apontou ideias para os clubes trabalharem melhor a base e formarem jogadores mais adequados ao mundo moderno.

Com passagens por grandes clubes do país, como Flamengo, Vasco, Fluminense, Palmeiras e Corinthians, Angioni ajudou a montar elencos vencedores e trabalhou com muitos craques, como Romário, Bebeto, Edmundo e Tevez. Com boa relação com o Baixinho, ele revelou que o ex-atacante tinha interesse em jogar no Corinthians e quase acertou com o clube quando estava lá. No entanto, alguns problemas impediram o negócio.

O último clube em que Angioni trabalhou foi o Vasco, em 2015. Ano passado chegou a receber algumas propostas, mas preferiu tirar um tempo para ele e curtir a família. De ânimo renovado, o gerente esportivo diz que quer voltar a trabalhar e espera por novos convites.

Confira abaixo a íntegra da entrevista com Paulo Angioni:

Seu último trabalho foi no Vasco, em 2015. Quais foram os motivos para sua saída do clube?

Eu não gostaria de falar da minha saída do Vasco, senão vou falar com amargura e não gosto disso. Então, prefiro não falar sobre o assunto.

O que você acha da transição entre técnicos experientes e mais novos no futebol brasileiro?

Eu torci muito para que o Luxemburgo acertasse com o Sport. Porque tem alguns resgates na volta dele ao trabalho. Principalmente porque eu acho que nenhum país do multo descarta a possibilidade de se manter pessoa com experiência atuando. Porque o novo não pode fazer uma transição tão rápida porque senão esse novo vai se tornar velho muito precocemente. Não adianta pegar um antigo e substituir em um pacote só pelo novo, porque se esse novo não der certo, como vai ficar o futebol? Vai ficar sempre nesse processo de transição que nunca acontece? 

Acho que o trabalho de base precisa ter um orçamento mais forte para que se eduque melhor o jogador, para que se forme melhor como jogador e cidadão

O que fazer para melhorar a formação dos jogadores na base no Brasil?

A mesma coisa a gente pode falar no campo do atleta. Se o que melhor o Brasil tem é o jogador de futebol, por que não fazer esse jogador mais adequado ao mundo moderno. É só estimular um pouco mais o trabalho de base dos clubes e entender que os clubes tem por obrigação ter em seu corpo de trabalho no mínimo 50% de jogadores formados na base em seu elenco. Porque quanto mais o mercado rico compra o jogador, melhor para o futebol brasileiro.

O que achou da venda do Vinicius Júnior do Flamengo para o Real Madrid por uma fortuna?

Eu acho um negócio fenomenal para o futebol brasileiro. Ao invés de estar debatendo o valor, é preciso aproveitar o ensejo para que outros jogadores possam ser vendidos por esse mesmo valor. Porque se em um curto espaço de tempo mais jogadores forem vendidos por esse valor, o futebol brasileiro passa a ter uma grande entrada de recurso, que é o que mais interessa, ter receita.

Você acha que essa venda pode fazer com que os clubes vendam melhor seus talentos?

Eu não digo nem vender, mas sim implementar um trabalho mais científico na base, dar mais mecanismo ao departamento dos clubes, gastar mais dinheiro com essa formação, e fazer outros grandes jogadores como esse do Flamengo que foi vendido. Esse é o grande mote do futebol. Qual a grande virtude do futebol brasileiro? É ter jogadores com qualidade, aqui nasce jogador toda hora. Então, eu acho que o trabalho de base precisa ter um orçamento mais forte para que se eduque melhor o jogador, para que se forme melhor como jogador e cidadão. Aí você vai para o mercado externo de uma forma mais avançada. Eu acho que são coisas bacanas para se discutir. O futebol tem que ser uma grande mesa de debate e não conceituar situações. Nós perdemos uma grande oportunidade agora. O futebol brasileiro com uma grande dificuldade financeira e invés de a gente implementar o trabalho da base, gastar dinheiro ali, prefere-se gastar dinheiro trazendo jogadores de mercados que nunca o Brasil contratou. Encheram o futebol brasileiro de jogadores de países emergentes em relação ao futebol e o Brasil ficou cheio de jogadores estrangeiros. Do Paraguai, Uruguai, Bolívia, Equador, da Venezuela... e assim a gente deixou escapar uma oportunidade de massificar ainda mais os jogadores jovens.

Como os clubes podem aproveitar melhor as suas categorias de base?

Os clubes precisam criar um protocolo, como 50% dos jogadores do elenco principal precisam ser formados no clube. Você melhora a qualidade do seu jogador, porque ele vem com uma educação nova e vão estar na vitrine para serem negociados. Eu acho que o futebol precisa de uma nova educação. Não é do novo só, mas uma nova visão futura do futebol. Se discute muito o momento, mas o futebol brasileiro necessita que se discuta o futuro. A gente tem que entender que se hoje o jogador não tiver uma boa saúde não joga, e também de inteligência. O jogador que não pensa e não tem tempo de ficar em uma sala analisando o adversário, que não gosta de ouvir o que o treinador quer dizer, ele não serve mais, está ultrapassado. Mas para isso é preciso o que? Tempo para educar essa nova geração que vem a ter todos esses conceitos. É inadmissível você ver jogador ser vendido para a Europa hoje em dia ainda sem entender o conceito deles. Não jogar apesar de ter um grande potencial e reclamar porque não joga. Eu penso que o futebol futuro passa por um processo de transição. E isso se dá com a experiência misturada com o novo.

O que mudou no futebol da época em que você começou a trabalhar para agora?

Mudou muita coisa. Na minha época não existia o treinador de goleiros, hoje ninguém vive sem essa figura. O futebol passou a ter uma exigência na sua saúde que não tinha tanto naquela época. Só que o futebol passou a ter uma dinâmica tão grande, então você passou a ter uma necessidade maior de cuidar do atleta. Aí aparece o profissional da fisiologia, do assistente social, o psicólogo. Mas nada que você pudesse dizer ainda hoje que seja o ideal. Falta muita coisa para o ideal. Falta os clubes, e ainda depende muito de quem forma opinião, que é a mídia, discutir isso com mais aprofundamento. Não tem como um psicólogo resolver o problema de 30 atletas, precisa ter um departamento para isso. Hoje as bases dos clubes têm profissionais de altíssimo nível porque os clubes entenderam que havia uma necessidade de mudança.

O que acha da evolução dos clubes brasileiros?

Acho que nossos clubes evoluíram. Eles têm condições de trabalho excepcionais para os profissionais, a grande maioria tem os seus centros de treinamento. Os clubes oferecem profissionais de boa qualidade para atender os atletas. O que precisa é sedimentar uma educação protocolar. Precisa aumentar o valor do investimento no trabalho de base para aprofundar ainda mais a formação do atleta e criar protocolos de que 50% do elenco precisa ser formado na base. Assim você diminui o seu custo e tem qualidade formada em casa. Senão, do que adianta gastar milhões por ano na base e não aproveitar esses jogadores? Se você se dispõe a formar, que eu acho o ideal e a obrigação dos clubes, tem que aproveitar. Vai diminuir o custo e ter mais resultados, mais uma identidade de clube desses jogadores.

O Corinthians tinha tudo a ver com o Romário. Esse negócio de time do povo, e ele gosta disso. Ele teve muito interesse em ir

O que acha da escolha do Tite para a Seleção Brasileira?

Acho que a gente teve a felicidade dessa escolha da CBF. Que Deus continue abençoando o Tite, que ele continue aproveitando essa oportunidade que foi dada a ele e está tão bem conseguindo realizar. Com certeza a chegada dele na Seleção deu um novo ânimo para o Brasil em termo de futebol. Porque já estava começando a ficar difícil ver atrativos na Seleção Brasileira. Depois da chegada do Tite abriu-se uma cortina linda que em qualquer jogo da Seleção lota o estádio. A gente não pode perder isso e só deixar na mão do Tite. Temos que continuar dando consistência para que ele continue nessa caminhada de um retorno do futebol brasileiro ao topo. E aproveitar de todas as formas esse retorno. A gente não pode deixar passar mais um momento de crescimento do futebol brasileiro sem dar alicerce a ele.

Você foi um dos pioneiros dos diretores de futebol. O que tem a dizer sobre a função e como a vê hoje em dia?

Eu tenho um pouco de receio quanto a isso (idolatria a executivos de futebol). Nós fazemos parte de um contexto, que é a instituição. Nós servimos à ela. Eu penso que o protagonismo é da instituição e não dos homens. Não muito longe eu tive essa confirmação. Eu tenho conhecimento de uma consulta que foi feita a um treinador estrangeiro, que é o Marcelo Bielsa. Uma pessoa o procurou para convidá-lo a trabalhar em um clube. Ele pediu para retornar a ligação em três dias. Nesse período, ele foi conhecer a história da instituição. Quando o pessoa retornou, ele contou toda história do clube, disse que o fascinava, mas que no momento não estava com condições de trabalhar. Mas ele foi tão honrado, que antes da negativa, ele foi pesquisar a história do clube. Ele respeitou a instituição. O que é eterno é a instituição. O executivo precisa entender que ele tem que ser regido pela instituição. E para a instituição exigir isso é preciso ser protocolar, porque um clube não é igual ao outro. Eu, com todo respeito que tenho pela área, não vejo que um executivo determine contratação. Quem pensa assim está se enganando. Ele é apenas um veículo. Eu, por exemplo, não gostaria de ser o responsável pela contratação de quem quer que seja. Não seria capaz e não quero ser. Porque eu acho que a contratação de um atleta precisa passar por um conjunto de opiniões para que você não erre. Porque se você erra, traz um prejuízo fantástico para o clube. Acho que a contratação de um jogador é muito importante. E quem deve determinar isso é o presidente do clube que é o maior responsável pela instituição.

Você já trabalhou com grandes estrelas do futebol, como Romário, Edmundo, Tevez, Mascherano... Como é administrar um elenco com jogadores renomados?

Se você tiver um protocolo, revolve tudo. Porque quando o cara chega, você mostra para ele qual é a regra. É bem verdade que mesmo assim vão ter variáveis, mas você tem que saber lidar com isso. E para isso, o diretor executivo e o treinador que comanda precisam ter um preparo muito grande para gestão de pessoas. Essa é uma prerrogativa das pessoas que comandam. Se você se preparar para lidar com as variantes mesmo tendo o protocolo, quando acontece o fato, você tem a solução. Que seja até momentânea. Mas com homens às vezes até as soluções momentâneas dão certo, na questão de disciplina e conduta. Se o indivíduo precisa de carinho você dá, mas para isso é preciso conhecer a história de todos eles para saber como vai atuar com cada um. E o profissional da área precisa ter esse entendimento das coisas.

Você conhece o Romário há anos, como é sua relação com ele?

Muito boa. Não só com o Romário, mas com outros jogadores que tinham o rótulo de polêmicos, minha relação sempre foi muito boa. Muitas coisas da vida dele ele compartilhou comigo. Eu sei como as coisas aconteciam com ele. Antes de ele ser liberado pelo Cruyff, me ligou e falou: 'Sr. Paulo, daqui a dois dias eu estou aí no Rio. Vou pegar um avião depois do jogo. Fiz um acerto com o Cruyff que se eu fizer dois gols ele me libera'. E ele fez. Ele me contou a história do jogo contra o Uruguai e é magnífica. Ele me ligou do ônibus antes do jogo e falou: 'Agora que eu vi que a responsabilidade está toda em cima de mim, mas vai dar tudo certo'. E depois fez o que fez.

Ele contou recentemente que quase foi para o Corinthians na época em que você estava lá. O que aconteceu para a transação não ser fechada?

Não aconteceu porque o momento do Corinthians na hora que a coisa estava fluindo bem teve problema. Se não me engano, foi no início de 2006, que a coisa cresceu muito, mas o Corinthians teve alguns problemas de resultado, a saída do Lopes... essas coisas. Eu o conheço bem e sei que isso o deixou triste, porque ele gostaria. O Corinthians tinha tudo a ver com o Romário. Esse negócio de time do povo, e ele gosta disso. Aliás, esses jogadores polêmicos são os que mais gostam de desafios. Ele teve muito interesse em ir.

Seu último clube foi o Vasco, em 2015... O que você fez nesse período? Recebeu propostas? Está pronto para trabalhar em um novo clube?

Num primeiro momento eu preferi dar uma pausa para mim em 2016. Tive algumas procuras, mas não me agradavam em termos do que eu poderia produzir, ia pegar no meio do caminho, e então preferi ficar sem trabalhar, passar um tempo com a família, melhorando meu humor e meu desejo de aprender um pouco mais. Esse ano eu desejo muito voltar a trabalhar, mas não fui procurado por ninguém.

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