Coluna do Luiz Gomes: ‘A raiz precisa de água’

Colunista do LANCE! fala sobre os problemas dos estaduais pelo Brasil

Palmeiras x Linense
Luis Moura / WPP

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Uma campanha amplamente veiculada na TV pelo canal de pay per view afirma que os campeonatos estaduais são a raiz do nosso futebol. Certamente você já ouviu falar nisso. E o mote é corretíssimo. De fato, durante décadas, no século passado, os estaduais eram o que de fato importava no futebol brasileiro. Foram esses torneios que alimentaram a rivalidade entre os clubes, dos grandes das capitais aos quase amadores de pequenos lugarejos. Foram os estaduais que construíram a mística dos super clássicos como o Fla x Flu, o dérbi paulista, Cruzeiro x Atlético, Grêmio x Inter, o Ba-Vi ou o Atle-Tiba.

Os torneios nacionais, como a Taça Brasil, o Robertão, a Taça de Prata ou regionais como o Rio-São Paulo eram colocados em segundo plano. Mas funcionaram, a visão histórica mostra isso, como embriões da nacionalização começando a popularizar os clubes além dos limites de cada estado. Me lembro que os garotos da época passaram a torcer por um time em cada lugar, torciam por um clube de cada estado além do seu. Um menino carioca, que era Flamengo no Rio, dizia-se por exemplo Corinthians ou Palmeiras em São Paulo, Atlético em Minas, Grêmio no Sul e Vitória na Bahia. Isso era absolutamente comum em um tempo em que as rivalidades não ultrapassavam os limites dos estados.

A criação do Campeonato Brasileiro, em 1971, foi o ponto de partida para uma transformação radical. De lá para cá, ano após ano, o Brasileirão foi se firmando como a principal competição do futebol tupiniquim. E isso, apesar das sucessivas mudanças de regulamento, da forma de disputa, das viradas de mesa e do uso eleitoreiro e demagógico que a CBF, a serviço da ditadura militar, fazia do torneio – houve um ano com mais de 90 clubes em nome da integração nacional. A força da televisão levando jogos ao vivo para todo o país, tornou irreversível essa inversão de patamar entre os estaduais e o nacional. E surgiram rivalidade além do mapa geográfico como Flamengo e Galo, Cruzeiro e Inter, Sport e Bahia só para citar algumas.

O que importa hoje é ser campeão brasileiro, é conquistar vaga na Libertadores, é manter-se na primeira divisão. Ou subir da Série B para a Série A. E isso significa que os estaduais têm de acabar? É claro que não. Mas, sem se adequarem aos novos tempos, à realidade de um futebol que além de gerar paixões tem de gerar receitas capazes de sustentar o negócio, estarão, sim, fadados ao desaparecimento. E o que é mais curioso é que, quem mais deveria estar preocupado com isso, em salvar os estaduais do ocaso é quem mais conspira contra eles: as federações estaduais e seus cartolas.

Na ânsia de fazer politicagem para se manter no poder, a cartolagem vai desmoralizando seus campeonatos. O exemplo do Rio, com seus estádios às moscas e seus jogos mambembes é sem dúvidas o mais dramático. Mas está longe de ser o único. Decisões judiciais que mudam os finalistas, como no paranaense do ano passado, vendas de mandos de campo suspeitas como a de Linense e São Paulo, no Paulistão-2017, além de tabelas construídas claramente sem nenhum critério técnico, contribuem para desmoralizar ano após ano, essas disputas.

Os estaduais, para sobreviverem, precisam mudar. Não faz mais sentido que ocupem três meses de um calendário já apertado e sem datas para campeonatos muito mais relevantes. Não há justificativa para que os clubes maiores – os que disputam as séries A e B do Brasileirão - continuem expostos a uma maratona insana de jogos deficitários ou pouco lucrativos nos estaduais. Com raras exceções, como Palmeiras, Cruzeiro ou Corinthians, neste início de ano, só o que somam são prejuízos. E é balela dizer que os clubes menores precisam dos estaduais para se manter, pois em boa parte dos casos são parceiros do prejuízo.

Os estaduais poderiam ser mais longos para os pequenos, de forma a mantê-los em atividade por toda a temporada e mais curto para os grandes que só entrariam nas fases finais, em jogos que realmente teriam interesse. Para seus torcedores. É apenas um exemplo, sem muito pensar, de mudanças que poderiam ser feitas. Propostas não faltam para encontrar-se um novo caminho. O quer falta é vontade e inteligência política para fazê-lo.

Falta, portanto, regar a raiz do nosso futebol. Para que ela volte a crescer. Dê frutos e não seque de vez.

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