Manifestações em estádios: vetos colocam a liberdade de expressão em xeque

Faixas em homenagem à vereadora Marielle Franco foram retiradas de estádios no último fim de semana. O L! conversou com juristas para entender suas causas e consequências

Faixas com mensagens para Marielle Franco e Anderson Pedro Gomes nos estádios
Faixa Marielle

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O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista, Anderson Pedro Gomes, na última quarta-feira (14), pautou o noticiário e gerou homenagens pelo Brasil. No entanto, uma polêmica também virou manchete. Na partida entre Cruzeiro e Patrocinense, no Mineirão, em 17 de março, uma faixa com os dizeres '#MariellePresente' foi retirada da arquibancada pela segurança do estádio e gerou polêmica entre os torcedores.

A Minas Arena, consórcio que administra o Gigante da Pampulha, comunicou à imprensa que “atos de manifestação, comunicados previamente, têm acontecido de forma organizada e, ainda, recebido apoio das mídias do estádio”. No entanto, a nota logo foi contrariada por um vídeo no qual uma pessoa identificada como Coronel Sandro Teatini afirma que o Mineirão “não é lugar de manifestação política”. Dado o fato ocorrido em Minas Gerais, levantou-se a questão: estádio é lugar para manifestações políticas?

Procurada pelo LANCE!, a Minas Arena afirmou que "tratará sobre o assunto internamente". Já a 'Torcida Resistência Azul', que divulgou o vídeo com câmeras escondidas em suas redes sociais, criticou a atitude e lembrou que a ordem vai contra a liberdade de expressão, prevista no Estatuto do Torcedor.

- Foi um absurdo, mas não foi surpresa. Essa concessionária se formou desde sua licitação num processo bastante duvidoso ao qual já denunciamos. O vídeo que gravamos mostra nitidamente a falta de argumentos do coordenador de segurança da Minas Arene e seu autoritarismo em retirar a faixa por uma opinião pessoal, mesmo indo contra o Estatuto do Torcedor - declarou.

O caso, no entanto, não foi isolado neste fim de semana. No Rio Grande do Sul, a torcida 'Tribuna 77', do Grêmio, levou faixas com os mesmos dizeres para a Arena e também teve que retirá-las. No Rio, a torcida do Bangu promoveu cantos durante a partida contra o Madureira e foi coibida. Em ambos as situações, a justificativa para o veto foram "manifestações políticas".

Vasco foi o único clube a se posicionar fora das redes sociais

Ainda no Rio de Janeiro, o único clube a se posicionar fora das redes sociais sobre a tragédia foi o Vasco, que levou uma faixa com os dizeres 'Somos todos Marielle e Anderson' para a partida contra Botafogo, no Nilton Santos. O atacante Paulinho, autor de um gols no clássico, revelou que conheceu a vereadora através de sua tia e pediu mais compaixão entre as pessoas.

- Eu acho que as pessoas hoje têm de amar as outras como se não houvesse um amanhã. Acho que temos que viver intensamente cada momento que passamos com nossas famílias. Infelizmente tivemos esse crime com a vereadora que era amiga da minha tia, trabalharam juntas já. Uma fatalidade...  - declarou à TV Globo na saída de campo. 

Atos como esses dentro de praças esportivas têm sido recorrentes, além de terem também marcado o futebol em outras épocas. Mas, afinal, há uma regra para a aceitação ou a proibição de manifestações políticas em espaços desportivos? Procurado pela reportagem, o cientista social Guilherme Carvalhido comentou sobre o veto e a atuação da torcida e das empresas que administram as Arenas.

- Quando você vê manifestações nas torcidas, isso tem sentido social. Foi um caso de violência à sociedade, então por que não pode ter uma manifestação? Hoje, as Arenas são administradas por grupos econômicos que querem ganhar dinheiro com as marcas. Isso é um problema das privatizações dos estádios - declarou o professor da Universidade Veiga de Almeida.

Para o historiador Fernando Valle Castro, professor da UFRJ, a neutralidade das instituições pode ser entendida pelo fato de elas atuarem junto a públicos heterogêneos e não com uma unidade que comunga dos mesmos posicionamentos.

- Por que tantas Arenas e os clubes têm enorme resistência a se posicionar? Porque eles são empresas que lidam com um público extremamente plural. O receio que eles têm é que quaisquer manifestações políticas se traduzam em críticas que podem gerar perdas financeiras, críticas da sociedade. Então assumem um papel de neutralidade - afirmou o historiador.

​O que diz o Estatuto do Torcedor?

Retirada de faixas fere as regras previstas no Estatuto do Torcedor

O L! entrou em contato com juristas e houve consenso de que o direito à liberdade de expressão foi ferido na retirada das faixas. De acordo com o Art. 13ª do Estatuto do Torcedor, as únicas proibições seriam para "cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo". O caso das faixas para Marielle Franco não se enquadravam nas situações citadas, como afirmou o advogado especialista em Direito Desportivo Martinho Neves Miranda.

- Ainda que haja norma que disponha em sentido contrário, o que não é o caso do Estatuto do Torcedor, ela será Inconstitucional por violar o direito fundamental da liberdade de expressão. O art 13-A, inciso IV, proíbe o torcedor de portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo, o que não é o caso - declarou o advogado.

Além do que exprime o Estatuto do Torcedor referente aos objetos proibidos nos estádios, Martinho Neves ainda citou a liberdade de expressão, também garantida em lei. Segundo o advogado, as manifestações dos torcedores, tanto quanto o direito de fazê-las, devem ser respeitados.

- A liberdade de expressão é um direito fundamental, garantido pela Lei Maior (art. 5º , inciso IV) a toda pessoa de se posicionar na sociedade. Ninguém pode ser punido por manifestar sua opinião a respeito de qualquer assunto, por mais espinhoso que seja, ainda que o que venha a ser dito não agrade a quem lê, ouve ou assiste - finalizou.

Protestos políticos são comuns na história

Dilma foi hostilizada na abertura da Copa do Mundo de 2014

Casos de manifestações políticas são comuns no esporte e fazem parte da história do futebol brasileiro. Em 2014, por exemplo, a então presidente Dilma Rousseff (PT) foi hostilizada em dois momentos durante a abertura da Copa do Mundo de 2014, na Arena Corinthians: após ser vista no camarote e após a execução do hino nacional. 

No ano anterior, Dilma também foi vaiada no Estádio Mané Garrincha, antes da partida entre Brasil e Japão, na Copa das Confederações. Os insultos começaram após seu nome ser anunciado pelo sistema de som. O então presidente da Fifa, Joseph Blatter, também foi outro alvo de manifestações na ocasião.

Nos anos 80, a 'Democracia Corinthiana' foi um movimento liderado pelo Corinthians, e comandado por nomes como Sócrates, Wladimir, Casagrande e Zenon. O clube usava expressões como "diretas já" ou "quero votar para presidente" durante o período da ditadura militar. 

Em 1942, o Fluminense doou à Força Aérea Brasileira um avião de combate para auxiliar a participação do país durante a Segunda Guerra Mundial. A ação foi liderada pelos sócios do clube, que atenderam ao chamado patriótico e se uniram para a causa.

No mesmo ano, também devido à Segunda Guerra, os clubes denominados 'Palestra Itália'  foram obrigados a mudar seus nomes por determinação do presidente Getúlio Vargas. À época, a Itália fazia parte dos Países do Eixo, ao lado da Alemanha Nazista. O Brasil estava do lado dos Aliados. Assim, surgiram Palmeiras e Cruzeiro. 

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