Nem a maior bronca e nem a camisa 3 frearam o ímpeto de Paulinho

Volante da Seleção Brasileira tinha fascínio pelo ataque desde cedo e tirou o sono de seu técnico-descobridor. Com Tite, tem liberdade para brilha na Copa do Mundo

Paulinho tem a frieza dos artilheiros e dos gols decisivos
(Arte: Jader Ferraz)

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O faro artilheiro de Paulinho que hoje encanta Tite e o fez um dos 23 "Homens de Gelo" do técnico na Copa do Mundo nem sempre foi bem aceito pelos treinadores. A característica desenvolvida quando ainda era garoto já causou problemas para o camisa 15 da Seleção Brasileira, que chega para a disputa de seu segundo mundial consecutivo como titular absoluto e uma das forças ofensivas do Brasil. Paulinho é o maior volante-artilheiro da história da Seleção com 12 gols, um feito e tanto. Mas ele poderia ter ficado longe de ser atingido caso a personalidade forte do jogador não congelasse os desejos de um de seus maiores guias na carreira, ou talvez o maior. O volante é o oitavo personagem da série do LANCE! sobre o grupo que tentará o hexa na Rússia.

O HOMEM SEM COSTAS


Foi a capacidade de Paulinho de fazer gols que chamou a atenção de Jadiel Antônio Miguel, o Ninho, descobridor do volante do Barcelona nas quadras da zona leste de São Paulo. Mas também era essa vocação feroz por abandonar a defesa uma das grandes dores de cabeça do técnico para formar jogadores no bairro de Jardim São Miguel, projeto que mantém até hoje. Ninho, como é conhecido por quem o cerca, escalava o menino no meio de campo, mas era só piscar e, vlau, lá estava ele no ataque. Mas e a cobertura?

- Ele pegava a bola e ia lá na frente, largava a marcação. Eu dava bastante bronca, ele passou uns dois meses sem vim aqui. pela bronca que eu dei. Foi por causa de um joga contra o Nacional, no campo do Nacional na Barra Funda, final da Copa Ouro. A gente perdeu de 4 a 0. Ele ia lá pra frente, e tomava nas costas. Tinha 15 anos - conta o treinador e amigo de Paulinho, que também revelou outros jogadores como o atacante Maikon Leite, atualmente no Figueirense, e o lateral-esquerdo Fabrício, do Vasco.

Ninho sabia que Paulinho era uma de suas joias mais preciosas, mas ainda assim se preocupava com a falta de atenção do pupilo para marcar. Era uma época em que os volantes primeiro precisavam marcar e só depois poderiam se aventurar no ataque. Pouco se falava sobre transição ofensiva ou "jogador pisa área", estilo que Paulinho sempre cumpriu. 

A discordância, porém, não impedia que o técnico corresse para todos os cantos com o garoto a fim de encontrar um teste em clube grande. Paulinho foi reprovado no São Paulo, Palmeiras, Portuguesa algumas vezes. Só se encontrou no futebol no Audax, projeto do Grupo Pão de Açúcar. Foi de lá para o Bragantino, depois Corinthians e o mundo. Mas antes teve de ouvir muita bronca.


A MAIOR BRONCA E A 'HONRA' DA CAMISA 3

O episódio mais emblemático que opôs mestre e pupilo foi no Chile, na disputa de um torneio sub-15, por volta de 2003. Era noite numa pacata cidade do interior do chile, véspera da final do campeonato. Os garotos conversavam em um espaço anexo ao alojamento, enquanto Ninho descansava no quarto em que era possível ouvir os diálogos. 

Em determinado momento da natural prosa dos atletas, ansiosos pela final do campeonato, Ninho escuta um deles reclamando. Era Paulinho.

- Eu estava deitado escutando, e ele comentando com os meninos: "Eu quero ir para a frente, os times são fracos, e eu fico mais marcando. Assim não dá". Nesse momento eu levantei, fui até eles e dei uma bronca daquelas. Falei um monte, que eu era o treinador. Ele estava insatisfeito, porque a marcação era forte naquele tempo, e ele queria sempre estar avançando - recorda Ninho.

Como castigo, Paulinho teve de usar a camisa 3, para não esquecer de sua obrigação defensiva. Ele queria jogar com a 7 ou com a 5, natural dos volantes, mas Ninho não abriu mão. Paulinho jogou com a 3, jogou muito como de costume, o time foi campeão e sobrou uma foto bem humorada de recordação. 

Paulinho exibe a camisa 3 em final de campeonato no Chile
Paulinho ostenta a camisa 3, depois da maior bronca da vida (Foto: Arquivo pessoal)


RECONHECIMENTO E PERSONALIDADE

Com o passar do tempo, após lutar muito contra a essência de seu garoto, Ninho deu o braço a torcer e compreendeu que, a continuar desse jeito, poderia podar o que Paulinho tinha de melhor. Ele faz a reflexão citando o surgimento do "guardião" (lembra dele?) em seus times. Guardião, ou o Casemiro no time de Tite. Aquele defende para os outros atacarem.

- Depois de alguns anos, eu fui entender esse dom do Paulinho. Entendi e coloquei um outro volante pitbull pra marcar, para ele jogar bem a vontade. Assim ele brilhou - reconhece Ninho.

Mas o "pirracento" Paulinho tem participação fundamental nisso. Como em toda sua vida, o garoto bateu o pé pelo que acreditava. 

- Eu sou um cara assim. Quando eu quero, não tem jeito, não tem quem tire da minha cabeça - afirmou Paulinho, em entrevista à TV Globo exibida antes da Copa de 2014. 

A mãe concordava.

- O Paulinho sempre foi temperamental, pirracento - selou Érica Nascimento, a maior incentivadora do filho vencedor.


O PREFERIDO DOS GAÚCHOS

Com esse faro de artilheiro, além de sua imposição física e ótimo entendimento do jogo, Paulinho conquistou um punhado de técnicos e chegou ao  todo poderoso Barcelona. Três foram gaúchos, os dois últimos da Seleção, Felipão e Tite. Outro foi Ivo Wortmann, auxiliar de Felipão na China durante a passagem do volante pelo Guangzhou Evergrande, onde ganhou tudo.

Felipão convocou Paulinho para a Copa de 2014 e o tirou do Tottenham (ING), onde estava encostado, para resgatá-lo na China. Paulinho reencontrou o bom futebol e brilhou, mas não era chamado por outro gaúcho: Dunga, sucessor de Felipão e antecessor de Tite. Mas Wortmann bem que tentou mudar isso.

- Eu enchia o saco dele lá, porque eu dizia que ele era jogador de seleção, ele ria. Eu falava: "Paulinho, pega teu assessor, leva o que tu está fazendo para o Brasil. Se tu quiser, o Dunga foi meu jogador na base do Internacional, se tu quiser eu entrego as imagens para o Dunga. E ele só ria (risos) - relembra Ivo Wortmann, com bom humor.

Já Tite nem precisou das imagens do conterrâneo, ele mesmo enviou gente de sua comissão técnica para observar Paulinho. A parceria  da época de Corinthians e de gols decisivos agora estava reeditada na Seleção. Com Tite, Paulinho virou o maior volante-artilheiro da história da Canarinho. Com Tite, Paulinho quer manter o frio dos goleadores. Sempre para frente, seja com a camisa 15, a 8 ou a 3.

 

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